Mulheres e profissionais qualificados são os mais expostos à Inteligência Artificial

A quarta edição do estudo “Estado da Nação” da Fundação José Neves faz um retrato das implicações da IA no mercado laboral português. A maioria dos trabalhadores irá sentir o impacto desta disrupção tecnológica.
As mulheres exercem funções nas quais a IA poderá substituir um conjunto significativo de tarefas.
As mulheres exercem funções nas quais a IA poderá substituir um conjunto significativo de tarefas.Fábio Poço/Global Imagens
Publicado a

Em Portugal, são as mulheres e os profissionais mais qualificados os mais expostos e vulneráveis aos avanços da Inteligência Artificial (IA), isto é, há uma forte probabilidade das atividades que realizam serem substituídas ou auxiliadas por máquinas, conclui a edição de 2024 do relatório “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, da Fundação José Neves. As mulheres, que já enfrentam no país a disparidade salarial de género, estão em profissões mais expostas que os homens à IA (20,9% face a 16%) e de vulnerabilidade elevada (15,1% face a 9,4% entre o sexo masculino). Como observa o estudo, desenvolvido por um conjunto de investigadores das universidades do Minho e de Aveiro, as mulheres exercem funções nas quais a IA poderá substituir de forma substancial um conjunto significativo de tarefas. “Estes são os trabalhadores mais vulneráveis à disseminação e adoção da IA”, diz.

Também os profissionais com mais habilitações escolares apresentam maiores níveis de exposição. “Há uma maior percentagem de trabalhadores com mestrado ou doutoramento em profissões com elevada exposição à IA (55,7%) do que detentores de licenciatura ou curso superior de ciclo curto (45,9% e 43,6%, respetivamente)”, lê-se nesta quarta edição do relatório. No entanto, o aumento da produtividade que a IA poderá trazer está concentrada nestes trabalhadores, para os quais estas novas tecnologias podem complementar as suas atividades - o grau de vulnerabilidade é baixo. Em suma, estes resultados indiciam que será expectável nos grupos mais qualificados “um aumento da desigualdade, com uma proporção elevada de efetivos que serão potencialmente afetados, positiva ou negativamente pela IA”.

De acordo com o relatório, as atividades mais expostas estão associadas às áreas administrativa, financeira e de gestão, psicologia e direito. São, por exemplo, profissões como analista e diretor financeiro, técnicos de estatística e de matemática, economista, contabilista, advogados e solicitadores, entre outras. Mas uma elevada exposição não é necessariamente sinónimo de ameaça. A maioria dos dirigentes e gestores (51%) integram o grupo de elevada exposição, mas também de grande complementaridade à IA. São profissões onde estas ferramentas tecnológicas deverão potenciar o desempenho profissional. Os profissionais das atividades intelectuais e científicas, onde 29% pertencem ao grupo mais exposto à IA, podem também contar com a IA como suporte ao exercício das suas funções.

Junto de profissionais com baixas qualificações - a laborar em áreas como limpeza, indústria e agricultura - e com maiores requisitos de destreza manual e física, como, por exemplo, trabalhadores da construção, desportistas e bailarinos, o impacto da IA será reduzido. O nível de exposição está abaixo dos 2%.

Está previsto que a IA deverá transformar a breve trecho o mercado de trabalho. Admite-se que irá eliminar algumas profissões, exigir a recomposição de outras e potenciar o surgimento de novas, embora “ainda muito pouco ou nada se sabe”. Neste contexto, “o futuro do mercado de trabalho dependerá, em grande parte, da capacidade de adaptação às constantes transformações e exigências”, lê-se no relatório. E, em Portugal, como revela o estudo, a grande força de trabalho (pessoas com idades entre os 25 e os 54 anos) está muito exposta à IA, assim como os trabalhadores com salários mais elevados e contratos sem termo - estes últimos têm também vulnerabilidade elevada (complementaridade baixa/possível substituição). Do lado dos empregadores, são as grandes empresas e os setores financeiro e tecnológico os mais impactados por esta disrupção tecnológica.

A Fundação José Neves defende que os riscos da IA no mercado laboral português podem ser mitigados de forma eficaz através de investimentos em tecnologia, requalificação da força de trabalho e políticas públicas robustas que garantam que os benefícios desta tecnologia sejam amplamente distribuídos.

Propostas para o futuro

O relatório destaca a evolução positiva de vários indicadores de educação e emprego no ano passado, embora persistam “desafios significativos”. Por um lado, verificou-se o decréscimo da proporção de adultos sem o ensino secundário completo (42% em 2022 para 40,6% em 2023), o aumento da taxa de emprego dos recém-formados (78,4% para 78,8%) e o crescimento da proporção de adultos que participa em programas de educação e formação (de 12,3% para 13,4%). Mas noutros verificou-se um retrocesso, como o decréscimo da proporção de jovens adultos com ensino superior (de 42,5% em 2022 para 40,9% em 2023) ou a perda de uma posição de Portugal no peso do emprego em setores intensivos em conhecimento e tecnologia face aos restantes países da UE-27 (queda da 16ª posição para a 17ª).

Com base nas conclusões do relatório, a Fundação José Neves define como urgente a implementação de um conjunto de ações ao nível da educação e do emprego, nomeadamente estimular a presença dos jovens no ensino superior e promover o ensino profissional; criar condições para que Portugal se torne mais atrativo para as empresas na área das altas tecnologias e se aproxime do top 10 de países da União Europeia com maior peso do emprego em setores intensivos em conhecimento e tecnologia; fomentar a aprendizagem ao longo da vida junto dos jovens e dos adultos, reforçando o retorno salarial do aumento das qualificações no mercado de trabalho. Como realça, “a valorização crescente da aprendizagem ao longo da vida e das qualificações, bem como a adaptação ao impacto da digitalização e da IA no (novo) mercado de trabalho que se afigura, são fundamentais para um futuro mais qualificado e competitivo”.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt