Mulheres portuguesas são as mais penalizadas com fecho de escolas

Entre 25 países da OCDE, é em Portugal que se encontra o maior desequilíbrio entre homens e mulheres na hora de assumir as responsabilidades parentais extra trazidas pela pandemia.
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Em cada dez famílias portuguesas com filhos, só numa delas se encontra um pai disponível para assumir o acréscimo de responsabilidades parentais que a pandemia impôs em momentos de aceleração de contágios que culminaram até aqui, já por duas vezes, com a suspensão de atividades letivas presenciais. Um pouco à semelhança do que acontece em vários outros países, também por cá são as mulheres com filhos, sete em cada dez vezes, quem acumula o trabalho com o grosso dos cuidados a menores. Mas, dentro da tendência, Portugal destaca-se por ser o país onde é mais desproporcional a distribuição destas responsabilidades num grupo de 25 analisados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A análise da organização é feita num estudo publicado neste mês que se debruça sobre os efeitos da covid-19 na desigualdade de género quer no trabalho pago quer no trabalho não pago, que inclui tarefas domésticas e cuidados com dependentes, e que também estuda as diferenças de impacto para homens e mulheres em resultado do fecho das escolas. A conclusão, aqui, é a de que, em regra, quanto mais dias de aulas presenciais se perderam maior foi a penalização para mulheres trabalhadoras com filhos. Mas, este até nem é o caso de Portugal.

As estimativas da OCDE mostram, aliás, o país como um dos que, num painel de 25, manteve escolas fechadas menos tempo. Só Suíça, França e Noruega acumulavam menos tempo de suspensão de aulas presenciais no início do outono de 2020, quando a organização recolheu dados de inquérito junto de homens e mulheres com filhos (não há dados para casais do mesmo género) para perceber quem tinha dedicado mais tempo a acompanhar menores forçados a ficar em casa.

Há alguns países onde houve uma percentagem um pouco maior do que a de 69% de mulheres portuguesas que tomaram para si a responsabilidade, mas em nenhum é tão grande a diferença relativamente ao comportamento dos pais. Apenas 14% assumiram o encargo. Pelo meio, há 55 pontos percentuais de diferença, no maior fosso de todos entre pais e mães, com a Turquia a escassas centésimas abaixo do resultado português.

Em contraste, os Países Baixos têm o melhor indicador no grupo em termos de equilíbrio das responsabilidades nas famílias, ainda que persistam ligeiras diferenças. As mulheres assumiram o trabalho extra em 57% dos casos, os homens em 42% das situações. A diferença surge estreitada para apenas 16 pontos percentuais, com bastantes mais dias de aulas totalmente suspensas contabilizados do que em Portugal (57 no caso neerlandês, 34 no português).

Os dados obtidos em inquérito para Portugal surgem alinhados com aquela que foi a experiência da tomada de apoios da Segurança Social destinados a minimizar perdas de salário entre pais forçados a ficar em casa com os filhos. O chamado apoio excecional à família - que na sua versão inicial não trazia qualquer mecanismo para evitar que fossem as mulheres, sobretudo, a deixar o local de trabalho - foi usado na primavera de 2020 por mais de 200 mil trabalhadores: 81% eram mulheres.

Já neste ano, quando foi alargado e passou também a abranger alguns indivíduos em teletrabalho, o apoio à família passou a premiar a repartição de responsabilidades parentais. Quando a partilha é equitativa entre membros de um casal (tal como em algumas famílias monoparentais), o apoio sobe para 100% do salário base (com perda de outras eventuais componentes do vencimento), sendo que quando não há partilha o apoio corresponde a apenas dois terços do salário-base.

Será essa a regra também para as próximas duas semanas do período de contenção devido ao acelerar de contágios com a variante Ómicron. Na próxima semana, estarão encerrados creches e ATL, com as escolas em período de férias. Já na seguinte, o apoio estará aberto a pais com crianças nas escolas cuja atividade estará suspensa. Dados os curtos períodos de paragem, a alternância entre pais para garantir salários-base a 100% implica assegurar que cada um dos pais está pelo menos dois dias da semana a cuidar dos filhos menores.

Mas a sobrecarga nos cuidados com menores não foi a única desvantagem enfrentada pelas mulheres no correr desta pandemia. O género feminino ficou também mais afastado do mercado de trabalho, globalmente. No caso português, embora a quebra na taxa de emprego surja mais pronunciada entre homens do que entre mulheres na análise da OCDE, há indícios de um maior desligamento na parte feminina. A percentagem de mulheres em idade ativa que permanecia a trabalhar ou à procura de emprego caiu 1,95 pontos percentuais entre as mulheres portuguesas, e apenas 1,47 pontos entre os homens.

Por outro lado, as diferenças entre géneros esbatem-se quando mães e pais com filhos pequenos são chamados a assinalar efeitos negativos para a saúde mental - dos próprios ou de outros membros da família - trazidos pela pandemia. Entre as mulheres portuguesas com filhos menores de 12 anos, 28% reconhecem o desafio. Entre os homens na mesma situação, a percentagem sobe ligeiramente para 31%.

O cenário muda outra vez de figura, no estudo, quando a questão é a de saber a opinião sobre a capacidade de a digitalização ser útil à prestação de trabalho e à conciliação com a vida pessoal e familiar. Os pais portugueses com filhos menores de 12 anos são os sextos menos otimistas no grupo de países analisados neste estudo pela OCDE. E, aqui, as mães estão bem menos otimistas e mais ambivalentes que os pais. Elas com 50%, eles com 60%, numa diferença de 10 pontos que, novamente, é das mais elevadas do painel de análise.

Para as mulheres portuguesas com filhos pequenos, que continuam a assumir grande parte das responsabilidades parentais e de cuidados com a casa, a promessa de o teletrabalho ser um regime que permitirá compatibilizar melhor as tarefas laborais com o espaço pessoal é ainda elevada, mas distante da média de 59% para todas as mulheres na mesma situação no conjunto da OCDE. As mães mais otimistas estão na Coreia do Sul, com 93% de aprovação quanto às potencialidades do trabalho remoto. Já na Eslovénia, só 39% acreditam nesta potencialidade do teletrabalho.

A partir de 1 de janeiro, o teletrabalho será facilitado em Portugal para pais com filhos pequenos, em linha com a diretiva europeia sobre conciliação vida-trabalho. Os casais com filhos menores de oito anos ganham direito ao teletrabalho, exceto se ao serviço de microempresas ou quando as funções não sejam compatíveis. Mas este direito só valerá perante o compromisso de uma partilha equitativa entre os dois pais dos tempos passados em regime remoto, ou quando estejam em causa famílias monoparentais.

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