A receita do Estado com multas de trânsito é a única rubrica da receita não fiscal que está a subir, mostram os últimos dados da execução orçamental até ao final de maio de 2021, divulgados pelo Ministério das Finanças. Isto acontece apesar de o tráfego nos primeiros meses deste ano ter sido fortemente penalizado pelas novas medidas de confinamento por causa do agravamento da pandemia.
Segundo os dados oficiais, o encaixe em multas está a subir mais de 22% face aos primeiros cinco meses do ano passado, o que ajudará o governo a atingir a meta anual de quase 92 milhões de euros definida no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021). Este objetivo é dos mais ambiciosos dos últimos anos, mostra um levantamento feito pelo Dinheiro Vivo (DV).
Já o tráfego nas estradas, um indicador divulgado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), estava a cair mais de 27% no primeiro trimestre deste ano. Pode ter recuperado quando começou o plano de desconfinamento faseado (4 fases) em meados de março, mas entretanto, como sabemos, surgiu uma quarta vaga da pandemia por causa da variante delta do coronavírus, e as regras tornaram a apertar.
Como referido, o aumento do valor cobrado através de multas subiu 22% nos primeiros cinco meses deste ano, um dos ritmos mais musculados dos últimos anos.
OE2021 carrega ainda mais nas multas
Existem dois grupos de fatores que ajudam a explicar o sucesso das multas, tendo em conta as muitas restrições à mobilidade que existiam e continuam em vigor.
Primeiro, o Orçamento do Estado deste ano veio com agravamento do quadro sancionatório. Foram alterados (agravados) cerca de 50 artigos do Código da Estrada.
Desde 1 de janeiro, duplicou o valor das multas por uso do telemóvel ao volante.
Os condutores de veículos descaracterizados de transporte remunerado de passageiros a partir de plataforma eletrónica (TVDE) passaram a ficar abrangidos pelo regime especial mais exigente que só admite uma taxa de alcoolemia inferior a 0,2 gramas por litro de sangue.
As multas de estacionamento para autocaravanas fora dos locais autorizados também foram agravadas e o regime das trotinetes elétricas igualmente ficou mais apertado, tendo sido equiparadas a bicicletas no caso das mais potentes.
Em segundo lugar, para explicar o recrudescimento das multas neste arranque de 2021, está o efeito base do ano passado e a abertura gradual da economia, pelo menos até meados de maio, quando a pandemia começou a piorar.
O valor cobrado caiu muito no início do ano passado por causa dos primeiros confinamentos, de uma maior tolerância por parte das autoridades e da dispensa temporária de pagamento de algumas tarifas. Durante meses, o estacionamento no centro das cidades ficou isento.
Este ano, depois de um inverno muito complicado, em que o Serviço Nacional de Saúde foi até à rutura, a situação começou a desanuviar e a circulação automóvel regressou aos poucos, mas não o suficiente.
O plano de desconfinamento foi desenhado com quatro fases de reabertura. A primeira aconteceu a 15 de março, a segundo a 5 de abril e a terceira a 19 de abril.
A quarta e última fase teve início a 1 de maio, a primeira a vigorar fora do período do estado de emergência que não foi prolongado, por decisão do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Problema: esta fase ficou a meio gás por causa da tal variante delta. Ainda assim, as multas de trânsito subiram muito e a sua taxa de execução continua em linha com o esperado no perfil intranual. Até ao final de maio, o Estado conseguiu encaixar 36 milhões de euros, cerca de 40% do total anual orçamentado (previsto). Ainda é possível lá chegar.
Como corre 2021
Segundo a Direção-Geral do Orçamento, nos primeiros cinco meses de 2021 "as taxas, multas e outras penalidades registaram uma quebra de 1,9%, abrangendo a componente das taxas (-1,9%, -18,3 milhões de euros) e a das multas e outras penalidades (-2%, -3,2 milhões de euros)".
As taxas moderadoras recuaram quase 33% "na sequência da dispensa em abril de 2020 da cobrança de taxas moderadoras nas consultas de cuidados de saúde primários e, a partir de setembro de 2020, em exames complementares de diagnóstico e terapêutica prescritos no âmbito destes cuidados e realizados nas instituições e serviços públicos de saúde".
Essa dispensa de pagamento de taxas moderadoras manteve-se "a partir de 1 de janeiro de 2021, em todos os exames complementares de diagnóstico e terapêutica, prescritos no mesmo âmbito".
A Autoridade Nacional da Aviação Civil registou uma quebra de 80% nas taxas que cobra, "principalmente a taxa de segurança, que constitui a contrapartida da prestação de serviços afetos à segurança da aviação civil".
No conjunto da receita não fiscal, apenas houve expansão nas taxas cobradas pelo Instituto dos Registos e do Notariado (mais 10%) e nas multas de trânsito (mais de 22%).
Como correu 2020
Em 2020, dizem as Finanças, "a receita não fiscal e não contributiva registou um decréscimo de 1715,5 milhões de euros, sobretudo relacionada com os efeitos da pandemia".
As vendas de bens e serviços por parte do Estado caíram 14%, "refletindo o menor tráfego de passageiros com efeitos ao nível da receita das empresas de transportes".
As taxas, multas e outras penalidades afundaram 14,5%, "associado fundamentalmente às taxas relacionadas com os serviços de justiça, às portagens pela quebra no tráfego rodoviário e à dispensa de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários".