Luís chegou ao Rio em março de 2013. Em outubro já dizia demanda em vez de procura e camiseta em vez de T-shirt. Só o incomoda o trânsito: mora na Barra da Tijuca, um bairro novo e moderno ao pé da praia, mas a 30 quilómetros - ou cerca de uma hora - do, digamos, escritório.
Luís Silva é o diretor de operações do Maracanã, o estádio mais emblemático do Brasil. É a equipa dele que faz o estádio funcionar, que assegura a logística, o funcionamento dos equipamentos ou mesmo se há chopes nos 60 bares. E se houver uma emergência, Luís será dos primeiros a ser chamado. Mas este engenheiro químico de 44 anos, natural do Porto e formado em Coimbra, está a viver um sonho. "Vim ao Maracanã pela primeira vez em agosto de 1999 e estava longe de imaginar que 14 anos depois estaria aqui. É arrebatador fazer parte deste projeto", diz.
Luís fez pouco em engenharia química. Trabalhava no Futebol Clube do Porto (FCP) há 18 anos e era diretor de infraestrutura do estádio do Dragão. Paralelamente, foi consultor da UEFA nos Europeus de 2004, 2008 e 2012 e foi por aí que chegou ao Brasil. "Só saí do Porto porque era o Maracanã. É a meca do futebol. Um estádio mítico", diz. Foi lá que o Brasil perdeu a final do Mundial de 1950 perante quase 200 mil adeptos, que Pelé marcou o seu milésimo golo em 1961 ou que se realizou o segundo Rock in Rio, em 1991, com mais de 198 mil pessoas.
No velho Maracanã, que foi inaugurado em 1950 precisamente para o Mundial desse ano, não se faziam só jogos de futebol. Mas agora não há disponibilidade para muito mais. "O trabalho é muito intenso. Temos contratos com o Botafogo, Fluminense e Flamengo. Fazemos 12 jogos por mês, ou seja, em dois meses fazemos tantos jogos como um estádio português faz num ano. E no Mundial vamos ter sete jogos, incluindo a final", conta Luís. Foi por isso que trouxe com ele mais dois portugueses: Flávio Simões, de 38 anos, e Alexandre Costa, agora com 42. Também já a contar com os Jogos Olímpicos de 2016. As cerimónias de abertura e encerramento serão no Maracanã, que se chama oficialmente estádio Jornalista Mário Filho - em honra de um dos primeiros repórteres de desporto do Brasil -, mas que muita gente trata por Maraca.
Ana, a mãe da relva do Maracanã
O Mundial e os Jogos Olímpicos justificam a remodelação do estádio, que ficou pronto a 2 de junho do ano passado, já Luís chegara. Continua a ser o maior estádio do Brasil, mas a capacidade foi reduzida para 76 mil pessoas, quando antes chegou a receber mais de 190 mil. "As bancadas eram corridas, não havia cadeiras, e por isso enquanto coubessem pessoas - sentadas ou em pé - iam vendendo bilhetes", explica Luís. De resto, mantiveram a fachada, histórica, mas por dentro está completamente novo. Tem sistemas de recuperação de água da chuva, mais casas de banho e bares, iluminação eficiente e tecnologias de ponta aplicadas à segurança, à informação sobre os jogos e à bilheteira. Há ainda um auditório para cerca de 500 pessoas que Zeinal Bava já aproveitou para se apresentar à Oi na semana em que foi liderar a empresa. E até a relva é nova. "É mais resistente e mais curta e compacta, permitindo aos jogadores correr mais depressa com menos esforço", explica Ana Caldeira Cabral.
A agrónoma de 50 anos é presidente da Vasverde, a empresa contratada pela brasileira Green Leaf para prestar consultoria na produção da relva de sete dos 12 estádios do Mundial. "Na Europa temos padrões de qualidade mais elevados", refere. Além disso, com o programa de adubação e irrigação da Vasverde conseguiram fazer em três meses aquilo que iria demorar um ano.
"Sinto-me a mãe daquela relva", confessa. Mas custou-lhe. "Durante nove meses fui ao Brasil uma semana por mês e tinha de ir ao Rio, a Recife e a Salvador. Foi muito difícil e duro, principalmente sozinha. No Recife, por exemplo, não saía do quarto para jantar". Mas, diz, "fiz tudo com muito gosto". Ana foi de férias agora. Quando voltar vai continuar a monitorizar a relva, mas à distância. "Não queria estar lá agora. Nem para ir aos jogos".
André Pestana também não liga a futebol. "Só sei que Portugal vai jogar em Manaus", diz. É precisamente aqui, na capital do estado do Amazonas, que passa a maior parte dos seus dias desde 2012. Engenheiro civil, formado em Coimbra, é gestor de projeto na Martifer e está a viver em Taubaté, entre São Paulo e o Rio de Janeiro com a mulher e o filho de pouco mais de dois anos. A empresa portuguesa não foi para o Brasil por causa do Mundial, mas já participou em três estádios que vão receber o evento, construindo e montando as estruturas metálicas das coberturas. A arena de Manaus foi uma delas. "Foi uma obra muito complexa. O estádio parece um cesto, ou seja, as estruturas não são simples, e a logística aqui é difícil", conta.
André, o engenheiro do estádio de Manaus
Manaus fica no meio do estado mais interior do Brasil, na confluência dos rios Negro e Solimões, dois afluentes do Amazonas, e a distância até ao porto marítimo de Belém são cerca de quatro mil quilómetros. Foi para aqui que a Martifer teve de trazer cerca de 80 peças metálicas feitas na fábrica de Aveiro, em Portugal, e cada uma pesa 100 toneladas. "Trouxemo-las num navio especial que pudesse navegar no mar e subir o rio Amazonas. Demorou sete a oito dias de Aveiro a Belém e mais cinco a seis de Belém a Manaus. Se viessem de estrada demorava um mês", conta, entusiasmado. "Descobri que a minha zona de conforto é estar na obra. Nesta havia 600 pessoas desde brasileiros, romenos, portugueses, lituanos. São projetos globais e é entusiasmante ver um contrato de 100 páginas transformar-se numa arena".
Arena é, provavelmente, a única palavra que André apanhou do brasileiro. Já o filho é o oposto. "Tenho um brasileiro em casa", diz, rindo. mas isso não o incomoda. O pior do Brasil, refere, são as vias de comunicação e a logística, mas André vai continuar no Brasil. A Martifer tem outras obras lá e o estádio de Manaus, apesar de ter ficado pronto no início deste ano, "ainda está em processo de entrega à FIFA". Só que este madeirense de 31 anos não é de ficar parado muito tempo no mesmo sítio. "Acabei o curso em 2006 e fui logo para a Martifer. Estive seis meses em Portugal e depois fui para Espanha, Roménia, Marrocos e Brasil. A minha mulher acompanhou-me a partir da Roménia e o nosso filho cresceu cinco meses em Marrocos, foi nascer a Portugal e quando tinha quatro meses foram ter comigo ao Brasil", conta. Orgulhoso.
Miguel, o organizador de eventos
Para Portugal jogar no Maracanã tem de chegar aos quartos-de-final ou mesmo à final. Na fase de grupos, Portugal só joga em Salvador, a 16 de junho, contra a Alemanha, e em Manaus, a 22 de junho, contra os Estados Unidos. Mas no Brasil, e no que se refere ao futebol, todos os caminhos vão dar ao Maraca. Um dos clientes de Miguel Assis quer levar algumas pessoas de helicóptero para o Rio de Janeiro para ver a final do Mundial no estádio e outro vai realizar um grande evento com jantares e espetáculos e quer acrescentar um dos jogos no Maracanã. "São Paulo é negócio, o Rio é lazer. Quando temos eventos relacionados com o Mundial são todos no Rio e a são de incentivos, por exemplo, para pessoas que ganham prémios para ir ver jogos", conta. Miguel, de 35 anos, é um dos sócios fundadores da empresa portuguesa Events by tlc e o responsável no Brasil. "Vim com a minha mulher em 2011 e a minha filha já nasceu cá", conta. Garante que "não foi atrás do Mundial", mas nota que quando saiu o sorteio das equipas no final do ano passado "começaram a chover pedidos".
É precisamente de hoje a três meses, a 12 de junho, que arranca o Mundial de 2014 e "o ritmo está a começar a apertar", conta Luís Silva. No Maracanã, a FIFA já começou a ocupar espaço e o diretor de operações do estádio mais concorrido do Brasil até desejava ter trazido mais pessoas de Portugal. "Só roubei dois ao FC Porto e são poucos", confessa. Nos próximos anos, e só considerando o Mundial e os Jogos Olímpicos, se há coisa que estes portugueses não vão sentir é falta de trabalho. Mas também de emoção, diz Alexandre Costa. "No Porto havia alguma monotonia e aqui nunca sabemos o que vai acontecer".