Os juros quase nulos dos depósitos bancários têm levado os aforradores a procurar novos voos para pôr o dinheiro a render. As empresas aproveitam essa fome por retornos e sucedem-se emissões de dívida direcionadas para o retalho. A procura não dá sinais de abrandar e os analistas antecipam novas operações. Mas todos os cuidados são poucos, para que os aforradores mais conservadores e inexperientes não sejam seduzidos por juros altos sem ter em conta os riscos.
A última emissão a ser fechada, a da TAP, demonstrou o apetite que os pequenos investidores têm por juros mais altos. As obrigações da companhia aérea atraíram mais de seis mil aforradores. A procura de investidores de retalho superou 160 milhões de euros. Este segmento acabaria por garantir mais de metade da emissão de 200 milhões de euros de títulos com uma taxa ilíquida de 4,375%.
“Acredito que haja mais empresas a equacionar emissões, sobretudo as que têm dificuldades de financiamento na banca”, sublinha Filipe Garcia. O economista da IMF considera que as últimas operações “dão visibilidade” a esta opção de financiamento e que “tem havido um esforço público de players como a Euronext em convencer as empresas a emitir obrigações”.
[caption id="" align="alignnone" width="480"]
Ilustração: Vítor Higgs/Animação: Nuno Santos[/caption]
Os riscos
As emissões de dívida para o retalho até podem prometer juros brutos aparentemente atrativos, numa fase em que os depósitos oferecem pouco mais de 0% e em que os certificados de poupança do Estado têm visto as taxas baixar. Mas têm mais riscos.
As emitentes podem não conseguir pagar as obrigações na data da maturidade, levando à perda do dinheiro investido. No “cômputo geral é relativamente raro o incumprimento. O problema é que quando acontece as perdas são grandes. O investidor tende a subestimar os riscos”, avisa o economista da Proteste Investe, André Gouveia.
As empresas que avançam para estas operações podem ter uma situação financeira frágil que aumenta o risco de incumprimento. Além disso, quem queira desfazer-se desses títulos antes do prazo está exposto ao risco do mercado. Tem de vender em bolsa e a cotação pode ser inferior ao valor que foi investido pelo aforrador.
Antes de se aceitar emprestar dinheiro a uma empresa deve conhecer-se a situação financeira da emitente e os riscos do negócio. Essa e outras informações estão presentes em prospetos que devem ser analisados pelos aforradores e que são publicados no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
A qualidade da empresa
As empresas que têm feito emissões deste tipo não são propriamente as que têm maior solidez financeira, segundo algumas análises. “Quem está a entrar são emissores de pior qualidade”, adverte André Gouveia. O economista diz que estas empresas “acham que os investidores são menos exigentes do que os institucionais”.
Regra geral, as empresas que têm recorrido às poupanças das famílias apresentam níveis de endividamento acima do setor. Um dos indicadores a analisar é o valor da dívida face aos resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA).
Octávio Viana, presidente da associação de investidores ATM, salienta que “os aforradores focam-se muito na taxa de juro oferecida e esquecem outras variáveis que influem no justo valor da obrigação, e quando comparamos produtos olhando apenas para a taxa é como tocar piano só com um dedo”.
Também Filipe Garcia considera que, “ao contrário dos institucionais, os pequenos investidores podem ter dificuldades em avaliar o risco destas operações”. No entanto, o economista da IMF sublinha que “isso não significa que não possam ou não devam investir nestas operações”. Mas ressalva que “devem ter especial cuidado na alocação de montantes”.
A máquina de calcular
Além do risco do mercado e das empresas, os aforradores devem pegar na máquina de calcular. Contrariamente aos depósitos ou aos certificados de poupança, as obrigações têm custos com comissões. Os bancos cobram pela guarda de títulos, pela subscrição das obrigações e pelo pagamento das taxas de cupão. A CMVM disponibiliza, no seu site, simuladores para medir o impacto das comissões, e também dos impostos, no retorno final.
E, apesar das taxas brutas aparentemente elevadas, o saldo final até pode ser negativo para quem invista pouco dinheiro e não tenha ainda uma carteira de obrigações e ações. A título de exemplo, investir o montante mínimo de 1500 euros exigido em dívida da SIC pode levar a perdas superiores a 50 euros nos três anos de prazo dessas obrigações.
Fazendo a simulação num dos bancos colocadores, o aforrador receberá juros de 202,50 euros se detiver as obrigações da SIC até à sua maturidade, em 2022. Mas terá de assumir um custo de 257,27 euros em comissões, caso se inclua também a despesa com a comissão de registo e depósitos. O saldo final seria negativo em 54,77 euros.
O papel do gestor de conta
Com tantos riscos e comissões, o papel dos bancos que vendem as obrigações é crucial. “Os intermediários financeiros responsáveis pela colocação devem assegurar-se de que explicam os riscos e os custos associados”, diz Filipe Garcia. A legislação obriga-os a ter esse papel e a garantir que o pequeno investidor tem conhecimentos e perfil de risco para investir em obrigações.
Também Octávio Viana realça que “os intermediários financeiros têm aqui um papel relevante, pois há estudos que mostram o ascendente dos gestores de conta nas decisões de investimento dos aforradores”. Mas o presidente da ATM refere que “por vezes os intermediários financeiros são ou estão ligados ao colocador da emissão que estão a comercializar, o que os incentiva a vender esse produto aos seus clientes de retalho”. Assim, todos os cuidados são poucos antes de se embarcar nos juros mais altos das obrigações de empresas.