Na oficina da Leitão & Irmão Joalheiros. Há dois séculos a negociar produtos de luxo

Pandemia e guerra da Ucrânia impactaram negócio bicentenário, que apresentou resultados positivos nos últimos 10 anos, segundo o proprietário. Empresa forma os seus aprendizes, que demoram até 10 anos a saberem tudo sobre a arte da manufatura.
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A história da Leitão & Irmão Joalheiros poderia confundir-se com a história do seu proprietário, Jorge Van Zeller Leitão, tal o à-vontade e conhecimento com que este fala da "sua" casa. Tem de memória a crónica do negócio que gere, como se o acompanhasse, desde que este surgiu há 200 anos e orgulha-se do sucesso obtido durante estes dois séculos, em que negoceia bens considerados de luxo.

Não obstante ressalva que "numa altura de guerra, como a que se vive aqui ao lado e onde morrem pessoas, o ambiente não é para coisas de luxo". A afirmação surge numa entrevista ao Dinheiro Vivo e Jorge Leitão explica que o seu negócio está a ressentir-se da situação que se vive na Europa de Leste. "É um ambiente de algum aperto. Aperto psicológico, que seja. Acho que o negócio também sofre com isso", lamenta.

No entanto faz questão de frisar que nos últimos 10 anos a "casa teve resultados positivos", embora a pandemia de covid-19 e consequentes confinamentos tenham obrigado a recorrer aos apoios concedidos às empresas. "A ajuda foi efetiva e permitiu-nos andar para a frente. Isto deve ser realçado, independentemente do gosto que se tenha, ou não, por quem lá está. Nesses dois anos, muito difíceis, com as lojas fechadas, a fábrica fechada, tivemos uma ajuda que foi efetiva e que nos permitiu sobreviver. Essa foi a verdade", frisa.

Com 64 anos, Jorge Van Zeller Leitão está à frente do destino da Leitão & Irmão há cerca de 40. Sob a sua alçada tem cerca de cinco dezenas de pessoas e um negócio de luxo. Confessa que para manter a casa já passou muitas noites sem dormir e que sentiu muitos nós no estômago, mas garante que continuaria sempre a querer ter feito o que faz. "Se faria tudo igual? Faria um bocadinho melhor porque aprendi bastante", afirma.

O seu negócio de ourivesaria de luxo conta com quatro lojas - três físicas (duas em Lisboa, no Bairro Alto e no Chiado, e uma no Estoril, Cascais) e uma online - e ainda a fábrica localizada no Bairro Alto onde são manufaturados os produtos, que depois são expostos e vendidos nos estabelecimentos.

Para conseguir dar vazão às encomendas de artigos feitos de metais preciosos e às coleções de joias de luxo, trabalham na manufatura entre 15 a 20 pessoas. Destas, quatro são aprendizes que só daqui por 10 anos terão aprendido o suficiente sobre a arte, para deixarem de o ser.

"Ao fim de dois ou três anos essa pessoa já começa a ter alguma rentabilidade. Digamos que já se paga a si própria com o seu trabalho", reflete Jorge Leitão. Porque até então, como comenta, a empresa (seja qual for) que forme uma pessoa na arte da manufatura, acaba por pagar ao Estado por formar os seus aprendizes.

"Para ensinar alguém a fazer uma coisa com as mãos, a empresa que ensina tem de pagar para isso. Paga ao funcionário e consequentemente ao Estado. Um aprendiz não sabe nada e demora 10 anos a aprender a profissão. Durante esses 10 anos nós pagamos ao aprendiz e ao Estado para ele estar cá", declara.

Solução para esta situação não avança, mas deixa no ar uma proposta de discussão. "Pode ser uma forma de encarar o problema: por hipótese, alguém que vai aprender uma profissão não ter de pagar contribuições ao Estado pelo ordenado que recebe. Nem ele nem a empresa", refere.

"Não partilho da ideia dos subsídios, acho que as empresas não devem ser subsidiadas para ensinar, mas partilho da ideia que não tenham de pagar ao Estado para ensinar as pessoas. Não é darem-lhes dinheiro, é não tirarem", afirma, frisando que esta é apenas uma ideia que lança para que se possa encontrar o "caminho bom" para quem ensina e para quem aprende. E que seja bom para o país. "É para esse fim que todos trabalhamos, não é para nós".

Trabalhar com ouro, prata e pedras preciosas é trabalhar com uma matéria-prima cara. Muito cara. O ouro que a Leitão & Irmão adquire vem dos circuitos certificados e que chega à fábrica para ser trabalhado, oriundo de várias minas localizadas pelo globo terrestre.

Tudo isso engloba os cuidados necessários para garantir que esta matéria - que custa cerca de 50 mil euros por quilo - não provém de minas ilegais, nem de trabalho infantil e que não financia guerras. "Isso é assegurado pelas empresas certificadas que nos vendem o ouro. A nós e a qualquer pessoa no mundo. Esse circuito está muito bem estabelecido", explica Jorge Van Zeller Leitão. "O ouro tem uma cotação internacional como o dólar, a libra ou o franco suíço. E há o cuidado de vir de fontes que não financiem o terrorismo ou a guerra", garante.

O mesmo se passa com a compra dos diamantes. Estas pedras preciosas são todas certificadas, muitas chegam através do grande mercado existente em Antuérpia e, garante Jorge Leitão, diamantes de sangue é coisa que não existe no circuito comercial dos joalheiros.

Este é um negócio que funciona com base na verticalidade e na confiança, diz o proprietário da Leitão & Irmão. "Compram-se por telefone e vem por correio. Nunca há falhas, nunca há enganos. Compro diamantes há 40 anos. E pedras preciosas", revela.

Também a prata - e apesar de ser bem mais barata que o ouro - não é um metal banal. Um quilo custa cerca de 700 euros, o que perfaz 70 euros por 100 gramas. Como diz Jorge Leitão, "não é assim tão pouco".

Sendo o ouro e prata matérias-primas tão caras, é necessário garantir que praticamente nada é desperdiçado. Por isso, quem trabalha estes metais preciosos fá-lo dentro de uma gaveta. "Trabalha-se para dentro de uma gaveta e escova-se as mãos e as unhas sempre que se tira as mãos da gaveta. E tudo é reaproveitado. Foi sempre assim, não é de agora", conta Jorge Van Zeller Leitão.

A intenção é que não exista qualquer desperdício, embora não se consiga na totalidade. Mas para aproveitar ao máximo, os artesãos lavam as suas mãos num tanque. Como a prata e o ouro pesam muito acabam por se depositar no fundo desse tanque. "A água sai mas o resto fica no fundo e depois é reciclado. Sempre foi assim", explica.

Jorge Van Zeller Leitão orgulha-se de ser o dono da casa que pôde intitular-se Joalheiros da Coroa, denominação que usou até à implantação da República. Desde 1910 até agora são os orgulhosos "Antigos Joalheiros da Coroa". Mas, revela Jorge Leitão, neste ano em que se comemora o bicentenário da marca o "antigos" vai ser retirado. "Voltamos a ser outra vez os joalheiros da coroa."

"Nós estamos cá, a coroa é que não está", declara. "Aliás, nós temos uma rainha que continuamos a servir, a Nossa Senhora, que é Rainha de Portugal. Quem fez a coroa de Nossa Senhora de Fátima fomos nós. Portanto continuamos a servir a rainha", afirma, explicando que os Reis de Portugal não usaram coroa desde que o reino de Portugal foi entregue à proteção de Nossa Senhora, em Cortes a 25 de março de 1646.

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