Não detestar o Natal

Todos os anos escrevo sobre isto mas faz parte da época,
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Todos os anos escrevo sobre isto mas faz parte da época, todos os anos tento dizê-lo de forma mais pensada, menos à bruta, mais polida. Já não digo que "detesto o Natal”, mas continuo demasiado incompatível com estes dias de dezembro.

Vamos por partes. Eu gosto de músicas de Natal, gosto de luzes de Natal, gosto do cheiro das castanhas misturado com o vento frio de dezembro. Eu tenho boas memórias do Natal, do ritual das filhoses alentejanas feitas pela minha avó, das rabanadas ao pequeno almoço, das férias na Figueira da Foz, das tardes passadas em preguiça no sofá a ver filmes, sempre os mesmos filmes.

Não sou uma pessoa de fé mas entendo o espírito de Natal enquanto comemoração do nascimento de Jesus. Não sou uma pessoa de datas especiais mas entendo o Natal como um reencontro e uma festa de família. Não entendo o Natal do consumo e é isso que mais me marca nestes dias. Eu não "detesto o Natal" mas detesto o consumo desenfreado do Natal.

Ontem tive que ir a um centro comercial. Tenho como regra evitar estes lugares entre 8 de dezembro e 8 de janeiro mas teve mesmo que ser. Dia de semana, uma hora supostamente calma e, ainda assim, estava o caos: uma quantidade impressionante de pessoas enchia os corredores carregando sacos e sacos. Entrei a correr, saí a correr, e repeti muitas vezes, em jeito de mantra relaxante, "eu não detesto o Natal”.

Eu sei que a economia precisa de consumo, eu sei que - em teoria - um centro comercial cheio é sinal que as pessoas têm dinheiro, e - em teoria - quem faz compras de bens não essenciais também podem pagar as contas, os livros dos miúdos e os medicamentos na farmácia. Mas a minha falta de espírito natalício só me permite ver uma quantidade absurda de compras completamente desnecessárias, orçamentos familiares desorientados, créditos pessoais com taxas de juros altíssimas e pagamentos a prestações. Se, apesar disso, o consumo fosse sinónimo de sorrisos eu tentaria não ser a próxima vítima dos “fantasmas dos Natais passados” mas só vejo pessoas zangadas e cansadas.

Já não digo que “detesto o Natal” mas continuo a preferir não comprar prendas e viver estes dias um bocadinho “ao lado”. O meu orçamento agradece e o verdadeiro espírito do Natal também.

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