O machado de guerra foi desenterrado em Moçambique 21 anos após a assinatura dos tratados de paz em Roma, que marcaram o fim da guerra civil entre as forças da Frelimo e Renamo, o atual governo e o principal partido da oposição, respetivamente.
A Renamo declarou o fim do estado de vigor do tratado de paz no país, depois do exército moçambicano ter tomado de assalto a sua base em Gorongosa no centro do país, no que foi o culminar do aumentar da tensão entre as duas forças. Em resposta, o movimento liderado por Afonso Dhlakama atacou um posto policial.
Atualmente "não existem condições para uma nova guerra civil" em Moçambique, defende o especialista em assuntos africanos, Fernando Jorge Cardoso, investigador do Instituto Marquês de Valle Flôr, uma Organização Não Governamental (ONG) para o Desenvolvimento.
"A declaração bombástica do fim do tratado de paz de 1992 não terá como consequência o reinício da guerra civil, porque as condições existentes no terreno e na região não o permitem", defende.
Por um lado, "a Renamo nesta altura não dispõe de nenhuma retaguarda de apoio regional, todos os países vizinhos apoiam o governo da Frelimo", liderado pelo presidente Armando Gebuza. Por outro lado, o partido da oposição "também não dispõe de nenhuma fonte de financiamento externa porque em resultado dos investimentos feitos nos últimos anos em Moçambique, o capital e os financiadores internacionais estão interessados em tudo menos no reinício de qualquer conflito, que possa por em causa o andamento dos negócios e das exportações", explicou ao Dinheiro Vivo.
Afastamento da Renamo contribuiu para a situação
O investigador do Marquês de Valle Flor explica que a situação foi motivada por dois motivos, o afastamento progressivo da Renamo da vida política moçambicana e as divergências relacionadas com a composição da comissão nacional de eleições para as autárquicas que irão ter lugar a 20 de novembro.
"Esta situação está a acontecer por dois motivos: a razão principal, é uma visão estrategicamente errada da liderança da Renamo e do seu líder Afonso Dhlakama que há alguns anos atrás resolveu abandonar Maputo, a capital", para se instalarem na zona da Gorongosa, no centro do país.
"A zona onde Dhlakama e o seus homens se encontram é uma zona muito perto da estrada nacional nº1 que liga o norte ao sul de Moçambique, e muito perto dos caminhos de ferro da Beira que neste momento estão a escoar o essencial da exportação de carvão proveniente das minas de Moatize", afirma o especialista.
"Através desta decisão, a Renamo e o seu líder acabaram por perder dimensão nacional, ou seja, neste momento, a Renamo não tem a possibilidade, e abandonou-a, de concorrer com a Frelimo em eleições, quer de natureza regional quer de natureza nacional", considera. "Por outras palavras, poderá reacender.se um conflito localizado que poderá prejudicar durante algum tempo as exportações moçambicanas e o normal fluxo entre norte e sul do país."
"A segunda razão tem a ver com o posicionamento do governo moçambicano, em particularmente da Frelimo, que é um posicionamento "legalista", ou seja, escuda-se no facto de as leis moçambicanas preverem a composição de uma comissão nacional de eleições - e que tenha os partidos presentes na assembleia da república em número proporcional aos deputados. A Renamo alega que para se sentir, digamos, confortada, que a comissão nacional de eleições tivesse um número paritário de membros da Renamo e da Frelimo. Isto é um fait diver, é um problema absolutamente de natureza forma", afirma.
Conflito poder ser resolvido pela via militar ou diplomática
Para o especialista, existem duas vias para resolver o conflito. A primeira é a militar, "o que poderá levar mais ou menos tempo, de qualquer maneira, eu julgo que as condições não estão criadas para que isto seja um conflito de natureza nacional, mas poderá criar problemas na zona centro do país, em zonas relativamente sensíveis, uma das saídas disto poderá ser uma saída militar, isto seguramente terminará na liquidação física do líder Dhlakama e dos seus principais colegas."
A outra via é a diplomática, "através da intervenção daqueles que ainda poderão ter alguma influência, algum peso, junto do líder da Renamo e junto à Frelimo e existem muitos poderes que podem ter influência."
O resultado natural de um entendimento entre o governo da Frelimo e a Renamo deverá permitir que "a Renamo ocupe o seu lugar na sociedade moçambicana como partido político e não como movimento militar, porque não nos esqueçamos que a Renamo nunca declarou, nem nunca abandonou, as suas armas, e Dhlakama mantêm uma guarda presidencial que, aliás, não é autorizada pelos acordos", conclui Fernando Jorge Cardoso.