Não muda nada

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Quando um dia um jornalista perguntou a Jeff Bezos, fundador da Amazon, o que mais o preocupava neste mundo em constante mudança, ele deu uma resposta desconcertante - conhecer o que não muda.

De facto, muitas vezes, nas nossas empresas, estamos tão atormentados com as crises, com as mudanças rapidíssimas que se dão no mundo, com a velocidade dos acontecimentos que invadem o nosso dia-a-dia, que nos esquecemos daquilo que é fundamental nas nossas organizações. "O quê? A nossa missão, aquilo que não muda!"

Todas as nossas empresas têm uma missão a cumprir e é isso que as deve distinguir das demais. O que faz com que os clientes nos procurem e não a outros? Em que é que somos realmente bons e diferentes? Sabemo-lo? Mesmo? Muitas vezes tenho dúvidas disso. Quantas vezes entregamos o aspeto mais essencial da nossa organização a entidades externas para criarem uma imagem, uma definição de missão elaborada a partir de fora e que, depois, orgulhosamente exibimos interna e externamente, mas que na realidade não passa de um apêndice contratado e pago sem qualquer adesão à nossa realidade como empresa.

A missão não se compra, sonha-se e constrói-se no dia-a-dia do trabalho da empresa e é isso que faz com que o mercado nos conheça, nos diferencie e nos procure. A empresa não é a imagem que temos dela, mas sim a imagem que têm de nós. Isso faz o sucesso e marca a diferença. É, pois, aí que temos de investir num processo de autoconhecimento que parte de fora para dentro. Ridicularizando, é como a empresa que está convencida que os clientes a procuram por causa do seu extraordinário serviço de pós-venda, quando na realidade o facto de ter um grande estacionamento gratuito à porta é a verdadeira razão do sucesso. Ao decidir investir em novas instalações, maiores, mais modernas e com maior capacidade de resposta, a empresa deitou tudo a perder.

Julgo que vale muito a pena investir nesta área. Saber o que pensam de nós, os nossos funcionários, os nossos clientes, fornecedores, entidades parceiras e até a sociedade local onde a empresa está inserida. Conhecermo-nos a nós mesmos através dos outros pode ser um exercício extraordinário que nos permitirá corrigir caminhos, desvalorizar alguns aspetos que considerávamos fundamentais (e não o são), melhorando outros que não valorizamos, mas que o meio em que nos movemos valoriza. Enfim, investir naquilo que realmente importa e desinvestir naquilo que não interessa.

O que não muda e o que não pode mudar são chave para qualquer empresa num momento de crise e de grandes alterações. O andar ao sabor do vento, das modas e com isso propagandear uma flexibilidade fantástica é muitas vezes sinónimo de desnorteio estratégico com resultados infelizmente previsíveis.

Recordo-me de uma empresa de calçado que ao decidir internacionalizar para o Brasil se deparou com um mercado gigantesco de chinelos de praia. Anestesiada pela grandeza dos números decidiu fazer aquilo para o qual não tinha qualquer preparação nem conhecimento. Perdeu tudo e comprometeu com isso a operação em Portugal.

Importa distinguir claramente o que é essencial daquilo que é a forma de o alcançar. Essa, sim, necessita de adaptação ao tempo atual, de atenção à moda e às novas técnicas e tecnologias, de perceber como o mercado olha para o produto ou serviço. Isso revela flexibilidade, inteligência, capacidade de resposta à mudança e conhecimento do mercado.

Para Jeff Bezos, o que não muda é a intenção das pessoas de comprar, tendo acesso a informação pormenorizada sobre o produto, poder comprar com rapidez e trocá-lo com simplicidade e sobretudo gastar o mínimo de tempo possível com a compra e a troca. O que mudou? Tudo o resto!

Tenhamos a capacidade de conhecer bem qual a nossa missão como empresa e distinguir aquilo que é essencial. Kotler perguntava num dos seus livros se perdermos cinquenta por cento das nossas vendas o que é que nunca deixaremos de fazer? O desafio é este mesmo!

Professor de Política de Empresa da AESE Business School e Diretor do Programa "Construir o Futuro nas Empresas Familiares"

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