Navigator investe 15 milhões para produzir uma nova geração de embalagens sustentáveis

Grupo preparou-se para fabricar 100 milhões de unidades por ano da nova gama de 'packaging' para o setor alimentar. A matéria-prima é a fibra moldada, uma inovação do Raiz para substituir o plástico.
É produzida uma embalagem a cada 35 segundos.
É produzida uma embalagem a cada 35 segundos. Paulo Spranger
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A The Navigator Company realizou um investimento de 15 milhões de euros no complexo industrial de Cacia para produzir embalagens de fibra moldada de eucalipto para o setor alimentar. A nova fábrica, a operar desde o final do ano passado, tem capacidade para fabricar 100 milhões de unidades por ano, o que lhe confere o título de maior da Europa. É mais uma solução da fabricante portuguesa de pasta e papel para substituir as embalagens de plástico e alumínio de uso único, depois de ter lançado a sua primeira linha de packaging em 2021, sob a marca gKraft. É também o primeiro passo para a construção futura de uma indústria de embalagens de fibra moldada de maior dimensão.

Segundo Luís Rodiles, diretor da área de negócio de fibra moldada, o projeto gKraft Bioshield está desenhado para clientes do retalho, catering, take-away e entregas ao domicílio, assim como para embaladores do setor agro-alimentar. Com cinco linhas de produção, a nova unidade está preparada para fabricar pratos de refeição, sopa e de sobremesa, uma gama com três dimensões para acomodar refeições cozinhadas (concebidas para expositores aquecidos, e aptas a ir ao micro-ondas e frigorífico) e ainda cuvetes para proteína crua. Em fase de lançamento estão também embalagens para fruta e refeições prontas a consumir. O carimbo é The Navigator, o que confere garantia de qualidade e de cumprimento da regulação nacional e europeia, frisa o responsável.

A unidade de Aveiro, instalada num edifício já existente e que foi adaptado às novas funções, é o projeto piloto do grupo no domínio das embalagens em fibra moldada de eucalyptus globulus, a espécie de eucalipto predominante em Portugal. De acordo com Luís Rodiles, a matéria-prima permite reduzir até 50% o volume de madeira utilizada, exige um menor consumo de químicos no fabrico de pasta, a compostagem é mais rápida do que produtos similares de fibra de pinho e permite uma maior reciclabilidade face a outras madeiras (mais dois a seis ciclos). O responsável destaca ainda que as embalagens são produzidas no mesmo complexo onde é fabricada a pasta, a madeira vem de um raio de 200 quilómetros de distância e 76% da energia utilizada no processo fabril é de origem renovável (caldeiras a biomassa). Indicadores de uma pegada carbónica sustentável, considera.

Estes atributos visam ser uma arma de combate às embalagens provenientes da Ásia. Luís Rodiles explica que os fabricantes asiáticos, principalmente chineses e vietnamitas, utilizam bagaço de cana de açúcar para fabricar os artigos de packaging, o que comporta riscos de contaminação com os pesticidas, herbicidas e fungicidas utilizados na plantação intensiva da cana de açúcar. Também recorda que o transporte para a Europa, por via marítima, pode constituir outro fator de risco, devido aos níveis de humidade e temperatura, que favorecem a degradação física e a contaminação bacteriológica do produto. Há ainda a considerar o desconhecimento das condições sanitárias das fábricas e a não rastreabilidade dos produtos, que dificulta a atribuição de responsabilidades legais e/ou danos reputacionais, destaca. E, lembra, na China, o carvão é a fonte de energia predominante.

Neste ponto, a The Navigator distingue-se pela notoriedade internacional e pela experiência de mais de três anos de produção de embalagens de papel gKraft, lançadas já com o objetivo de constituírem uma solução sustentável, reciclável e biodegradável ao plástico. Agora, quer ganhar espaço no mercado com a submarca Bioshield, cujas peças também incorporam soluções técnicas inovadoras de preservação dos alimentos. De acordo com Luís Rodiles, a gKraft Bioshield é a única marca de produtos de fibra moldada com certificação de conformidade com a regulação EC 1935/2004 e com a recomendação BfR XXXVI, emitida pelo ISEGA, laboratório europeu na área da embalagem alimentar.

Com todas estas armas, o primeiro esforço de vendas da nova embalagem da Navigator está concentrado no espaço ibérico, por razões de proximidade e da rede já instalada do negócio de tissue do grupo, explica. Mas o radar está virado para a globalidade da Europa. “Queremos explorar os mercados europeus, principalmente aqueles onde existe mais consciência de sustentabilidade, exigência de garantia alimentar e capacidade de absorver o preço”, sublinha Luís Rodiles. E também abrir novos caminhos, porque o potencial das embalagens Bioshield não se limita ao setor alimentar.

Uma das áreas de expansão já identificada é a cosmética. Como frisa o responsável, “é preciso dar respostas muito técnicas, mas são produtos com margens elevadas, cujas marcas têm muita preocupação em mostrar a sua consciência de sustentabilidade, e que podem acomodar bem este tipo de embalagem”. Para já, a unidade de Cacia, onde trabalham 40 pessoas, está dimensionada para gerar um volume de negócios da ordem dos sete milhões de euros por ano. No caminho para uma economia mais sustentável, a Navigator está preparada para construir uma fábrica de raiz de embalagens de fibra moldada em 2026/27, num investimento que pode atingir os 20 milhões de euros. “Este é um negócio muito novo, que está a dar os primeiros passos. O plano é construir de forma a responder à procura”, adianta.

Rumo ao futuro

A fibra de celulose moldada, a matéria-prima destas novas embalagens, é resultado de um processo de três anos de investigação e desenvolvimento do Raiz - Instituto de Investigação da Floresta e Papel, detido maioritariamente pela Navigator. Este organismo, que já garantiu o registo de 48 patentes, trabalha no desenvolvimento de novos materiais, produtos bioquímicos e na concepção de combustíveis sintéticos alternativos aos fósseis tendo por base o eucalipto.

Segundo Carlos Neto, diretor geral do Raiz, “a indústria do papel está particularmente bem posicionada para a produção de combustíveis sintéticos”. Como explica, o CO2 biogénico (dióxido de carbono com origem em fontes biológicas) que sai pelas chaminés dos fabricantes de papel se for combinado com hidrogénio verde pode resultar em metanol sintético ou emetanol para o transporte marítimo ou em SAF (Sustainable Aviation Fuel, em português, combustível sustentável para a aviação). E lembra que Portugal tem uma localização privilegiada para produzir hidrogénio verde, estando a Navigator está bem posicionada no tabuleiro de xadrez das indústrias mundiais de pasta de papel para ter uma palavra neste campo.

Outra das apostas é a produção de biocombustíveis a partir de sobras da exploração florestal ou de subprodutos industriais. Nessa área, o Raiz desenvolveu um projeto de conversão de biomassa em bioetanol para transporte terrestre. Segundo Carlos Neto, o projeto de produção do bioetanol não seguiu em frente por causa do preço. “Para a sua entrada no mercado é preciso que a legislação europeia seja mais agressiva no objetivo de redução dos combustíveis fósseis”, diz.

O Raiz tem também em curso projetos de desenvolvimento de óleos essenciais para a indústria de perfumaria e cosmética (e, eventualmente, no futuro, para a área da saúde) extraídos das folhas e casca dos eucaliptos. Em fase pré-industrial, está um biocompósito de celulose que pode vir a alimentar a indústria do plástico, substituindo 30 a 40% de polímeros. Há outros trabalhos em curso visando setores como o automóvel, construção, saúde ou agricultura. No Raiz, cujo orçamento anual ronda os oito milhões de euros, trabalham 94 pessoas, incluindo 27 doutorados.

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