
Há milhares de milhões de euros de investimentos estrangeiro em gigafábricas de dados em curso no país. E mais em perspetiva, num momento em que a cobiça por estas infraestruturas tecnológicas está ao rubro na Europa. O Banco Português de Fomento apresentou há poucas semanas uma candidatura em Bruxelas para a instalação de uma destas unidades em Sines, projeto que deverá envolver verbas da ordem dos quatro mil milhões de euros. A proposta portuguesa é uma entre as mais de duas dezenas que foram entregues ao EuroHPC, uma clara manifestação do interesse que estes investimentos estão a despertar. Bruxelas quer assegurar, pelo menos, cinco destas gigafábricas em território europeu.
E, enquanto decorre este processo em Bruxelas, continua em desenvolvimento o maior investimento da atualidade em data centers (em português, centros de dados) em território nacional. É também em Sines e a protagonista é a Start Campus, detida pela Davidson Kempner e pela Pioneer Point Partners, que vai investir 8,5 mil milhões de euros até 2028. A Merlin Properties e a Edged Energy têm igualmente em curso a construção de data centers em Castanheira do Ribatejo. Segundo o site do Data Center Map, Portugal tem atualmente 42 destas infraestruturas tecnológicas, de 30 diferentes operadores. Poderá o país captar mais destes milhares de milhões de euros que vão ser aplicados nos próximos anos em fábricas de dados?
Há diversos projetos em fase de planeamento ou desenvolvimento e isso, diz Tiago Cortez, capital markets associate da Savills, é um “sinal claro de que Portugal está a consolidar o seu caminho para se tornar um hub digital de referência no sul da Europa”. “A localização geográfica estratégica de Portugal, as características climáticas estáveis, os custos competitivos de instalação, a boa conectividade internacional, incluindo a presença de cabos submarinos e a capacidade crescente de produção de energia verde são fatores que reforçam a atratividade do país” nesta corrida, defende Augusto Lobo, head of capital markets JLL.
A realidade assim o parece comprovar. “Portugal tem assistido à tendência do surgimento de hyperscalers [data centers de grande escala]”, de que é exemplo o projeto da Start Campus, aponta José Maria Moutinho, head of research CBRE. E também continua a ser interessante para colocation providers (centros de dados para alugar a empresas), “uma vez que é um mercado com o processo de digitalização ainda a decorrer, e portanto pouco consolidado”, considera.
O país apresenta-se como “um hub capaz de conectar com alta capacidade e baixas latências os tráfegos do Mediterrâneo, Norte da Europa, América do Norte, América do Sul e as duas costas de África”, e alia “uma forte infraestrutura de fibra terrestre”, considera o consultor da CBRE. São vantagens competitivas para a atração destas gigafábricas, frisa. Soma também um potencial elevado de energia limpa e barata, capital humano competitivo e respeito pelos princípios do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), o que garante aos investidores um nível de compliance que torna o investimento mais seguro. Para José Maria Moutinho, pode mesmo fazer-se um pivot narrativo de “Porquê Portugal?” para instalar data centers para “Como não Portugal?”.
Espinhos no caminho
Mas há espinhos neste caminho e um deles é Espanha. O país vizinho tem, à semelhança de Portugal, uma forte aposta em energia renovável, critério relevante na escolha da localização destes investimentos, na medida em que os operadores querem operações descarbonizadas. Mas junta-lhe “a capacidade de produção de energia nuclear - um fator que pode representar uma vantagem significativa pela garantia de potência elétrica estável”, sublinha Tiago Cortez. E a envolvência política na atração de investimento é maior.
Como frisa o consultor, Espanha “conta com uma atuação coordenada e empenhada por parte das autoridades, tanto a nível central como regional, que compreendem bem o setor e se mostram ativamente empenhadas em atrair grandes investimentos”. E exemplifica: em Aragão, “o envolvimento direto do presidente do governo regional tem sido decisivo para assegurar projetos de grande dimensão, como os campus de Inteligência Artificial da Microsoft e da Blackstone”.
Para Augusto Lobo, Espanha tem beneficiado de “um mercado digital mais maduro, maior escala económica, uma malha regulatória mais estabilizada e incentivos públicos dirigidos à transformação digital”. Como aponta, Madrid é já um hub relevante para data centers. A capacidade de atração do país vizinho tem também sido reforçada pela “presença de grandes operadores e pela disponibilidade de terrenos com infraestrutura elétrica adequada”.
José Maria Moutinho vai mais longe na análise desta concorrência direta. Na sua opinião, “Espanha, que tem maior escala, fundamentais parecidos com os nossos, e uma lógica de investimento mais robusta, foi conseguindo ao longo das últimas décadas, e com um ponto de partida mais avançado que o nosso, construir a sua cadeia de valor”. Porquê? “Pelo impacto que a Telefónica historicamente teve na dinamização do setor Telecom” e “pela presença continuada há já várias décadas de grandes investidores institucionais”. As multinacionais “olham para Espanha como o ponto no qual se serve o mercado ibérico”, diz.
O mercado está no entanto a mudar. A proximidade a centros urbanos já não é o driver da necessidade de processamento e armazenamento e Portugal pode ganhar aqui algum fôlego, principalmente se assegurar disponibilidade efetiva de potência elétrica. Segundo Augusto Lobo, as zonas com maior potencial para a instalação de data centers em Portugal concentram-se no eixo da Grande Lisboa até Sines, que reúne condições favoráveis em termos de conectividade, acesso a energia, disponibilidade de terrenos e proximidade aos principais hubs logísticos, No Norte do país, locais com acesso a infraestruturas energéticas robustas estão também a ganhar relevância.
O papel do governo
Nestas matérias, como em várias outras, há também a ter em nota o papel do governo. E esse pode ser crucial, como dizem as consultoras. Sérgio Nunes, head of industrial, logistics & data centers da Cushman & Wakefield, considera ”fundamental que o governo e as câmaras municipais tenham a capacidade de atrair, acompanhar - em articulação com outras entidades - e reter este tipo de investimento”. Celeridade no licenciamento dos projetos, criação de mais lotes industriais, ao mesmo tempo a disponibilização de habitação próxima com acessos a transportes eficientes e incentivos fiscais competitivos são essenciais para captar esta nova vaga de investimentos, defende.
Para Augusto Lobo, matérias como a simplificação dos processos de licenciamento e a clarificação do enquadramento regulatório devem ser prioridades para o governo. O responsável sugere também incentivos à instalação de data centers, como benefícios fiscais, apoio à qualificação de terrenos, melhoria de infraestruturas e apoio à formação especializada para aumentar a atratividade do país. Em suma, “a agilização dos processos e uma estratégia nacional articulada são essenciais para captar e concretizar mais investimento internacional”, diz.
São investimentos que vêm naturalmente das grandes empresas tecnológicas, que necessitam de estabelecer data centers na Europa, algumas por imperativos regulamentares, outras pela necessidade de estarem próximas dos locais onde os dados são gerados e utilizados, lembra Tiago Cortez. Mas o interesse nestes projetos estende-se a operadores, como a Equinix ou a Atlas Edge, fundos imobiliários, capitais de risco e empresas com ligações ao setor energético.
Como frisa Augusto Lobo, este movimento prende-se com o “crescimento exponencial do consumo de dados, à necessidade de proximidade entre os centros de processamento e os utilizadores finais e às exigências regulamentares, como a proteção e soberania dos dados”. A Europa tem uma população altamente conectada, com forte consumo de serviços digitais e as multinacionais precisam de infraestrutura local para garantir desempenho e latência baixa.
Sector “teve uma resposta exemplar” no apagão de 28 de abril
Luís Duarte, presidente da Associação Portuguesa de Centro de Dados, defende que o Estado reconheça os data centers como infraestruturas críticas para a economia.
Prevêem-se grandes investimentos nos próximos anos em data centers na Europa. Portugal está bem posicionado para captar estes projetos?
O setor europeu dos data centers está a viver uma fase de grande dinamismo, impulsionado por tendências como a Inteligência Artificial, a transformação digital de toda a economia e a crescente exigência de soberania e segurança digital. Muitos destes investimentos têm origem em grandes operadores norte-americanos - seja para expansão da cloud, seja para colocation ou edge - e têm como prioridade a proximidade com os utilizadores europeus e o cumprimento das exigências regulatórias, como o RGPD.
Na Portugal DC acompanhamos de forma muito próxima estas dinâmicas e temos evidência clara de que vários desses investimentos estão a considerar a Península Ibérica e, concretamente, Portugal, como destino possível.
Quais são as vantagens competitivas?
Portugal tem hoje condições muito competitivas para captar uma parte relevante desta nova vaga de investimento. A nossa localização geográfica, com acesso direto ao Atlântico e ligações por cabo submarino a África, América do Sul e Europa, é estratégica e coloca-nos como ponto de entrada para a Europa. Acresce o facto de termos uma matriz energética com preços muito competitivos e muito assentes em fontes renováveis, o que é cada vez mais valorizado pelos operadores. O país oferece também estabilidade política, custos operacionais controlados e talento técnico qualificado.
Do ponto de vista da Portugal DC, o mais importante é garantir que estas condições são acompanhadas por agilidade administrativa e visão estratégica - e é nesse esforço de articulação entre setor público e privado que estamos fortemente empenhados.
O que se deve pedir ao governo?
Criação de condições regulatórias e administrativas que permitam que os investimentos se concretizem com previsibilidade e rapidez. Vias verdes para projetos estratégicos, clarificação do enquadramento ambiental e incentivos ao investimento em eficiência energética e formação de talento são exemplos de áreas onde há margem para avançar.
Consideramos essencial que o Estado português reconheça os data centers como infraestruturas críticas para a economia e para a soberania digital nacional. O nosso sector teve uma resposta exemplar do ponto de vista de resiliência no apagão de 28 de abril.