Nem um euro dos contribuintes?

Quando o Estado impõe uma conta ao BCP, é o contribuinte português que está a pagar.
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Nesta semana, Mário Centeno e António Costa afirmaram que nem um euro dos contribuintes vai para o Novo Banco (NB). Quem vai pagar os 1149 milhões exigidos pelo NB ao abrigo do acordo de venda à Lone Star é o Fundo de Resolução, que é sustentado por uma contribuição anual dos bancos portugueses. Já foi o Fundo de Resolução que injetou os 4,9 mil milhões de euros de capital inicial no NB. São por isso os bancos a pagar a fatura do NB, não os contribuintes.

Pode aplicar-se a mesma lógica à Segurança Social. Os trabalhadores descontam do salário todos os meses e com estes descontos paga-se aos reformados hoje. Logo, igualmente, nem um euro dos contribuintes é usado para pagar as pensões. Mas não vamos parar aqui. A taxa de contribuição do audiovisual cobrada com a conta da EDP é entregue à RTP. Logo, nem um euro dos contribuintes vai para a RTP. Já agora, o imposto único de circulação que paga para conduzir um carro recolhe receitas suficientes para pagar o orçamento do Ministério da Cultura. Nem um euro dos contribuintes paga a cultura; quem paga são os automobilistas. O IRC rende cerca de 1,3 mil milhões e a justiça custa 1,26 mil milhões. Nem um euro dos contribuintes vai para os tribunais; são as empresas que pagam a justiça.

Espero que sejam exemplos suficientes para perceber a falácia do argumento do “nem um euro”. Os bancos portugueses põem dinheiro no Fundo de Resolução porque o Estado os obriga a tal. O Estado assinou um contrato segundo o qual vai agora dar esse dinheiro ao NB. Na substância, isto não é diferente de taxar os primeiros para dar ao segundo. Para além disso, os bancos portugueses não são um extraterrestre. Como empresa, são contribuintes em Portugal e os seus acionistas pagam impostos. Quando o Estado impõe uma conta ao BCP, é o contribuinte português que está a pagar.

Pode dizer-se que, neste caso, o Fundo está a pedir emprestado e vai pagar com as futuras contribuições dos bancos, pelo que agora eles não estão a pagar um euro. Errado. Quando o Estado tem um défice público faz precisamente o mesmo, e seria um disparate dizer que o contribuinte não está a pagar; pode não estar a fazê-lo hoje, mas vai pagar no futuro. Também se pode dizer que quem paga são os donos dos bancos, e hoje banqueiro é cidadão de segunda categoria. Errado novamente. Para pagar os 1149 milhões, o BPI e a CGD vão ter de gerar receitas e vão fazê-lo, parcial ou totalmente, aumentando os preços que cobram aos seus clientes. Quem paga é o consumidor de serviços bancários. A não ser que me digam que quem paga o IVA não são os contribuintes, mas antes os consumidores, num jogo de palavras infantil.

Por isso a expressão “nem um euro dos contribuintes” pode fazer sentido para explicar às pessoas o que é o Fundo de Resolução ou até para discussões contabilísticas sobre como medir o défice e a despesa públicas. Mas em termos económicos, tudo isto é atirar pó para os olhos. Quem paga são os euros dos contribuintes.

Professor de Economia na London School of Economics

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