O lulismo até aos relvados chegou. Com a ascensão das classes . sócio-económicas D e E a classe C, os clubes do povão, Corinthians . e Flamengo, passaram a ter muitos clientes, além de muita . "torcida" . Pelo futebol, percebe-se a história, o tecido sócio-económico e . a maturidade democrática de um país. Em Portugal, por exemplo, é . no norte que está o maior número de clubes da Liga, sinal da . relativa força industrial da região por oposição à . desertificação do sul. Da zona de Setúbal, que antes do 25 de . Abril fornecia três ou quatro clubes à primeira divisão, com a . falência da CUF e afins só sobra o Vitória.Lisboa hospeda os dois . grandes mais comentados porque o país ainda se confunde com a . capital no espaço mediático. E o clube mais rico e poderoso de . todos, aquele que tem mais poder negocial, mais patrocínios, mais . direitos de TV e mais jogadores caros é, afinal, o mesmo que se . intitula clube do povo, o que quererá dizer que, apesar de algumas . desigualdades, Portugal é uma democracia plena: o clube do povo é . quem mais ordena (o que não que dizer que seja o que mais ganhe). . No Brasil, país tradicionalmente de monumentais desigualdades, o . futebol sempre foi do povo mas não exatamente dos clubes do povo. . Até Lula. . Os clubes das duas principais cidades brasileiras refletem-nas. Em . São Paulo, cidade onde perto de 75 por cento dos habitantes são . direta ou indiretamente descendentes de italianos há o Palmeiras, . outrora conhecido como Palestra Itália; no Rio de Janeiro, a . maravilhosa cidade que a colónia lusa adotou como sua, vive o Vasco . da Gama, cujos primeiros acordes do hino imitam a "Portuguesa" e . cuja alcunha dos adeptos é "bacalhau". . O São Paulo FC, maioritário nos bairros chiques da maior cidade . do país (Jardins, Pinheiros, Higienópolis, Morumbi, Moema), é a . representação da elite endinheirada e intelectualizada. Os seus . apoiantes são pejorativamente chamados de "bambis", por . supostamente serem mais delicados do que os rivais, ou "filhinhos . de papai", por terem nascido em berço de ouro. Essa mesma elite . letrada que, na versão carioca, prefere outro tricolor, o . Fluminense, clube do coração de Nelson Rodrigues, Jô Soares, . Millôr Fernandes ou Chico Buarque. . Depois há o Santos, no Estado de São Paulo, e o Botafogo, do . Rio, normalmente os clubes dos avós de toda a gente, dos que . vibraram com Pelé, no primeiro caso, ou com Garrincha, no segundo. . Dois "times"de charme, tipo fidalgos abandonados, que vivem . de recordações de um Brasil a preto e branco como as cores dos dois . clubes (os santistas, entretanto, descobriram Neymar e concorrem a . ser o clube dos netos além dos avós). . Há referências à imigração, ao patamar social e até a outras . eras. Mas e o resto? O resto são o Flamengo carioca (29 milhões de . adeptos) e o Corinthians paulista (25 milhões), os maiores clubes do . Brasil. E o que é que eles, Mengão e Timão, representam? Nada. E . por isso quase tudo. Não são nem italianos, nem velhos, nem . portugueses, nem ricos e podem ser todas as coisas ao mesmo tempo. . São a força do resto. Para os resumir numa palavra, talvez o mais . apropriado seja dizer que são "brasileiros". . No entanto, no Brasil "o resto é silêncio", como diz Hamlet . na última deixa da peça: esses clubes nunca tiveram um estádio . próprio, jogam em campos municipais, e jamais aspiraram a mais poder . além do poder do povo - que nunca foi grande coisa no Brasil. Até . que chegou Lula. O metalúrgico, além de diretamente ter oferecido . um estádio ao seu Corinthians, indiretamente mudou o futebol . brasileiro: a classe C, antes uma magra faixa no tecido social, . ascendeu a 96 milhões de pessoas (mais de metade da população), . com 47 por cento do poder compra. . A partir deste novo Brasil, a Pluri Consultoria desenvolveu um . daqueles estudos modernos em que se chama clientes aos adeptos e . chegou à conclusão de que os clubes mais poderosos do país são . hoje Corinthians e Flamengo, os clubes do povão, porque os seus . "torcedores"já têm todos TV (e contam nas audiências) e . já têm todos uns trocos de sobra no fim do mês (que investem em . merchandising dos clubes). . Os clubes do povão triunfaram no país anteriormente conhecido . pelas monumentais desigualdades sociais, porque o lulismo chegou a . todo o lado, até ao relvado. No Brasil, o resto já não é . silêncio. JornalistaEscreve à quarta-feira