Nova PAC entrou em vigor, mas agricultores dizem que foram prejudicados

A política que define as regras para fazer chegar os apoios à agricultura na União Europeia foi alterada. Em Portugal, o setor acredita que vai perder ajudas e teme ainda mais abandono.
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Nos últimos anos houve um ressurgir de interesse pela agricultura e, agora, o ano começa com um novo ciclo da Política Agrícola Comum (PAC), com a implementação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) para o período 2023-2027, aprovado pela Comissão Europeia a 31 de agosto de 2022. Entre as principais diferenças face ao regime que até aqui vigorava, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), assinala: "A começar por uma gestão mais simplificada perante Bruxelas, que define apenas um Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) e uma entidade interlocutora por país", acrescentando que, por outro lado, introduz uma maior abertura aos diferentes Estados-membros para desenharem, à sua medida, a política agrícola a vigorar nos seus territórios - através dos PEPAC que foram apresentados por cada país e aprovados pela Comissão Europeia.

Para perceber o total alcance do PEPAC, em Portugal, Firmino Cordeiro, diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), lembra que estão em causa ajudas europeias no valor de 6712,9 milhões de euros, a aplicar entre janeiro de 2023 e dezembro de 2027 (os apoios podem ser estendidos até 2029). Esse valor será dividido entre o 1.º Pilar (apoios ao rendimento), com 3859,5 milhões de euros, que representa 57,5% do total, cabendo ao 2.º Pilar (apoios ao investimento) 2853,4 milhões, ou seja, 42,5% do total das ajudas. Face a isto, o dirigente considera que "a introdução de novos pagamentos ligados (1º pilar), dependentes de valores de produção poderá ser um aspeto positivo no incremento da produção nacional e de certa forma minorar a nossa dependência alimentar".

Na mesma linha, Luís Mira aponta que "esta reforma da PAC introduz também medidas no pilar social, enquanto reforça a componente ambiental, no sentido de procurar promover um setor agrícola europeu mais sustentável, resiliente e modernizado".

Mas nem tudo é positivo. "Algumas variações negativas vão surgir em algumas culturas e áreas, devido à convergência dos apoios ao rendimento dos agricultores no Regime de Pagamento Base (RPB), em toda a Europa, por hectare elegível, bem como a perda de cerca de 60% das ajudas, por ter sido suprimido o Greening. Isto significa que nas explorações agrícolas que produzem bens transacionáveis haverá perda de apoio", aponta Firmino Cordeiro.

Além disso, acrescenta, foram transferidas medidas, como a Agricultura Biológica e Produção Integrada, para o 1.º Pilar (sempre estiveram no 2º Pilar), com a agravante de o Estado deixar de comparticipar financeiramente estas medidas, sendo o envelope idêntico ao do passado, mas sem a parte da comparticipação nacional, refletindo-se numa diminuição de verbas para o setor.
Já a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) considera que, de um ponto de vista da organização do mercado, "a PAC pouco traz de novo, na medida em que continuará o caminho da liberalização total dos mercados, a promover uma agricultura altamente industrializada, a distribuir ajudas de forma muito desigual e sem obrigatoriedade de produzir e aumenta as assimetrias entre países, regiões e agricultores"
Pedro Santos, da direção da CNA, vai mais longe e afirma que "os receios que existiam aquando das negociações, acabaram por se concretizar e, mais uma vez, os sacrificados são os mais pequenos - o maior corte das ajudas (em termos percentuais) de todo o PEPAC vai ser aplicado aos agricultores com menos de um hectare".

À partida, toda a mudança acarreta resistência. A questão é, neste caso, se as medidas impostas pela nova PAC servem (ou não) o setor e os agricultores. Sobre isso, Firmino Cordeiro é muito claro: "O setor não foi ouvido, as opiniões e comentários das entidades ligadas ao setor pouco foram tidas em conta para a definição deste PEPAC". No fundo, acrescenta o diretor-geral da AJAP, "existiu uma grande pressa em aprovar o PEPAC junto da Comunidade Europeia, e a verdade é que estamos no início do novo PEPAC e ainda não conhecemos a adaptação da legislação europeia à nacional, faltam muitas portarias e muitas regras que deveriam estar a ser devidamente afinadas junto das entidades para serem devidamente divulgadas junto dos produtores".

Na mesma linha, Luís Mira afirma que, "na verdade, o Ministério da Agricultura desenvolveu o PEPAC à margem do setor, sem ouvir os agricultores e sem procurar a colaboração e o conhecimento daqueles que estão no terreno - ao contrário de outros Estados-membros, onde o setor colaborou ativamente na definição das medidas que o impactam diretamente".
O secretário-geral da CAP vai mesmo mais longe e afirma que "esta surdez do Ministério de Agricultura determinou um PEPAC para Portugal com uma clara falta de visão estratégica, sem ambição ambiental e que não responde àquelas que eram as bandeiras associadas a esta reforma da PAC: a sustentabilidade, a biodiversidade, a inovação e a digitalização do setor".

No caso específico dos jovens agricultores, a queixa prende-se com o facto de o PEPAC ser "pouco ambicioso em relação ao número de jovens que pretende instalar (apesar de melhorar o apoio nos que consigam instalar-se), assistimos ainda a que o Jovem Empresário Rural, figura surgida no Ministério da Agricultura, em janeiro de 2019 (ficou completamente de fora deste programa)".
E isto é importante, prossegue Firmino Cordeiro: "Trata-se de duas importantes figuras que poderiam dar um excelente contributo para o aumento do rejuvenescimento e diminuição da desertificação nos territórios rurais, e as medidas que lhe são destinadas ficam muito aquém das expectativas, e das necessidades efetivas".

"A PAC será tão ou mais eficiente se as orientações comunitárias forem cumpridas e, sobretudo, se os pagamentos chegarem aos agricultores, para que possam investir e modernizar as suas explorações (infelizmente, o que só se pode explicar por inércia governativa, os apoios comunitários insistem em chegar demasiado lentamente ao terreno)". É desta forma que Luís Mira analisa o papel do PEPAC, afirmando que "Portugal não soube aproveitar a flexibilidade para ajustar a PAC à especificidade do setor agrícola nacional".
Uma opinião partilhada por Pedro Santos, que considera que o PEPAC fica muito aquém das necessidades do país. A explicação é simples: porque, desde logo, "não contempla medidas eficazes de intervenção no mercado, dando mais carta branca à política dos preços baixos na produção e colocando os produtores à mercê da forte especulação, o que irá agravar a situação dos pequenos e médios agricultores, numa altura em que o setor passa por dificuldades sem precedentes".

Tão ou mais grave do que isso é o facto de a nova PAC "não corrigir a injustiça na distribuição das ajudas e estar muito longe de responder aos desafios ambientais e sociais." Isto porque, explica Pedro Santos, não aplica de forma eficaz a modulação (redução de pagamentos) acima dos 60 mil euros e o plafonamento (limite máximo de ajudas) nos 100 mil euros.

Para a CNA, a resposta a esta questão é simples: "A aplicação da PAC continuará a privilegiar a agricultura mais industrializada, concentrando os apoios nos grandes proprietários de terras e penalizando os pequenos e médios agricultores. E isso fica claro nas alterações feitas ao Regime da Pequena Agricultura, agora chamado de Pagamento aos Pequenos Agricultores. A ajuda foi escalonada e reduzida para explorações com menos de dois hectares". Pedro Santos dá um exemplo: "Uma exploração familiar de um hectare que, em 2022, recebia 1000 euros, em 2023, vai receber apenas 500 euros por ano.

A isto Firmino Cordeiro acrescenta que o setor do leite está entre os mais prejudicados, "uma vez que, fruto dos desligamentos de várias ajudas ligadas (prémios de abate; ajuda à produção de leite), tinham valores de pagamento por hectare tradicionalmente elevados e serão, assim, os que mais perdem com a "convergência", apesar de alguns eco regimes disponíveis, mas, ao que tudo indica, de difícil acesso".
O dirigente da CNA aponta ainda a questão da chamada Arquitetura Verde, peça muito significativa da nova PAC. Acontece, esclarece a confederação, que, "na prática, apenas se pretende pintar de verde um modelo de produção super intensivo e depauperador dos recursos naturais e do meio ambiente"."A lógica das intervenções vai no sentido de continuar a premiar um determinado indicador, sem avaliar todo o conjunto da exploração. A forte complexidade destas medidas vai também deixar para trás muitos pequenos e médios agricultores", sustenta a CNA, concluindo que "os setores mais beneficiados continuam a ser os do extensivo e das grandes culturas, desde logo, o setor dos cereais".

A isto Luís Mira acrescenta o caso das culturas permanentes. "Mas, de modo geral, os agricultores saem maioritariamente prejudicados: com a alteração nos pagamentos diretos e com as novas regras ambientais definidas por Portugal, quase todos vão perder apoios".
As alterações definidas não agradam ao setor. Porque este sente que não só não foi ouvido, mas também porque os seus principais problemas não foram resolvidos. Como lembra Firmino Cordeiro, "o setor está muito envelhecido, dever-se-ia investir mais na instalação de um maior número de jovens agricultores, além de que vamos ainda assistir a um 2023 com escasso investimento do PEPAC, uma vez que vão apenas utilizar os montantes que sobrarem dos projetos anteriores, do PDR 2020 [pacote de ajudas 2014-2020, estendido até 2023]".

Isto, aliado ao aumento da inflação, dos custos de produção, mas também do baixo valor pago ao produtor pelos seus produtos - que a AJAP considera estar muito longe do preço justo - leva Firmino Cordeiro a acreditar que muitos agricultores desistirão da sua atividade, "nomeadamente, os mais envelhecidos e mais afetos a explorações de menores dimensões".

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