Canábis, canábis medicinal, cânhamo, cânhamo industrial, CBD, THC - afinal o que significam estes conceitos? E acima de tudo, qual a diferença e o impacto legal de cada um deles nas diferentes atividades económicas?.A verdade é que, quando falamos em canábis, ou cânhamo, falamos de uma só planta - a planta de canábis (cannabis sativa) -, mas de variedades e com finalidades distintas..Cânhamo industrial tem sido e será, para este efeito, definido como a planta de canábis com baixo teor de THC (tetraidrocanabinol, principal constituinte psicoativo da planta) utilizada na produção de fibras e noutros usos industriais. O cultivo do cânhamo tem como objetivo utilizar as fibras extraídas do caule das plantas e as sementes, que podem ser utilizadas na alimentação humana..Canábis medicinal tem sido, e será para este efeito, definido como o cultivo da planta, com a utilização dos seus componentes psicoativos (essencialmente o THC), para fins medicinais e terapêuticos..A questão complica-se quando verificamos que é, principalmente, das folhas e das flores (e não tanto das caules e sementes) que se pode extrair o CBD (canabidiol) - componente que se pode encontrar na planta de canábis com várias potenciais utilizações medicinas, alimentares e cosméticas e particularmente associado à falta de efeitos psicoativos..É importante compreender os vários termos e designações relativas à planta de canábis uma vez que, de um ponto de vista jurídico, existem implicações distintas em função do termo que utilizamos..Com efeito, encontra-se expressamente previsto na lei, e regulamentado desde 1999, que o cultivo de cânhamo para fins industriais é uma atividade lícita, autorizada e incentivada nos termos da lei comunitária. Nessa altura, e através de uma alteração ao Decreto-Regulamentar 61/94 (estabelece as regras relativas ao controlo do mercado lícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas), foi consagrado expressamente no nosso.ordenamento jurídico o cultivo de cânhamo para fins industriais, incluindo para uso alimentar das variedades de canábis para a produção de fibra e sementes não destinadas a sementeira. Atendendo à natureza da planta em causa foram atribuídas competências de controlo desta atividade ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, Polícia Judiciária, GNR e PSP..Até 2019, o cultivo do cânhamo encontrava-se sujeito a uma notificação à Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), para efeitos de controlo de comunicação às demais entidades envolvidas na sua fiscalização. Com a implementação das regras dos procedimentos para as atividades de cultivo de canábis para fins medicinais, em agosto de 2020, foram também criadas novas regras para se dar início ao cultivo de cânhamo industriais. Essas novas regras focavam-se essencialmente no processo de notificação e na informação que era necessária submeter à autoridade (a DGAV), no sentido de verificar questões como o teor de TCH das sementes utilizadas, a época a e densidade da sementeira..Desde 6 de janeiro deste ano que as regras para o cultivo do cânhamo mudaram. Apesar do processo para obter a autorização não ter mudado, foram criadas novas regras relativas às práticas agrícolas, o que nem na atividade de cultivo de canábis medicinal sucede..Com a Portaria 14/2022, de 5 de janeiro, o cultivo de cânhamo só é possível se for realizado ao ar livre (não sendo possível cultivar em estufas, nem em espaços fechados); o cultivo apenas pode ser efetuado numa área mínima de cinco hectares; não é permitido o transplante de plantas; e a densidade da sementeira não pode ser inferior a 30kg por hectare. Fica também proibido o transporte para fora da exploração agrícola das sumidades floridas da planta (ainda que estas já não pudessem ser utilizadas no âmbito da atividade de cultivo cânhamo industrial) e foram também criadas regras na reutilização das embalagens de sementes abertas..Com este tipo de alterações, tão pouco comuns para regular uma prática agrícola, o verdadeiro objetivo parece ser impedir que com o cultivo de cânhamo se esteja a cultivar a planta para outros fins, como medicinais ou até cosméticos e alimentares, tendo em vista a extração de CBD (veja-se a proibição de se cultivar em estufas, que é tipicamente utilizada no cultivo de canábis para fins medicinais, por exemplo). É verdade que a comercialização de produtos com CBD (sem esquecermos que este é uma.componente não psicoativa da planta) se encontra, de um ponto de vista legal, numa zona cinzenta. Com efeito, em Portugal, a comercialização de CBD é qualificada pelas autoridades de saúde como uma atividade proibida na medida em que o CBD, enquanto substância extraída das flores e das folhas da planta de canábis (e não das caules e sementes), deve ser tratado como uma substância controlada. Consequentemente, a planta só poderá ser cultivada e comercializada de acordo com as regras para o cultivo e comercialização de substâncias controladas (ou seja, essencialmente para fins medicinais)..Por sua vez, a autoridade de segurança alimentar considera que a comercialização de produtos alimentares com óleo de CBD não pode ter lugar de acordo com as regras aplicáveis aos suplementos alimentares, uma vez que o CBD ainda não foi aprovado como um novo alimento..Sem pretender, pelo menos nesta sede, dirimir argumentos e posicionamentos em relação ao CBD, fica a dúvida se é pela alteração às regras do cânhamo industrial que se combate ou clarifica uma atividade ou que se qualifica uma determinada substância, pelo menos, do ponto de vista legal. A atividade de cultivo de cânhamo para fins industriais poderá ficar prejudicada em função dos tempos que agora vivemos em relação à incerteza jurídica sobre o CBD. Ainda que a linha seja ténue para distinguir as implicações práticas destes conceitos e atividades, quando tudo ficar mais claro sobre o CBD, não será tarde para uma indústria de cânhamo que se pretende dinamizar desde já?.Joana Silveira Botelho, Advogada, coordenadora da área de Farmacêutico e Ciências da Saúde da Cuatrecasas