Prever quanto o clima da Terra irá aquecer é vital para ajudar a humanidade a preparar-se para o futuro. Tal, por sua vez, exige que se enfrente uma fonte primordial de incerteza na previsão do aquecimento global: as nuvens.
Algumas nuvens contribuem para o arrefecimento ao refletirem parte da energia solar de volta para o espaço. Outras contribuem para o aquecimento, agindo como um cobertor e retendo parte da energia da superfície terrestre, amplificando o efeito de estufa.
"As nuvens interagem muito fortemente com o clima", afirma Sandrine Bony, climatologista e diretora de investigação no Centro Nacional Francês de Investigação Científica (CNRS), em Paris. Estas influenciam a estrutura da atmosfera, afetando tudo, desde a temperatura e humidade até às circulações atmosféricas.
E, de acordo com a climatologista, autora principal do relatório de avaliação vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2007, pelo Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas, o clima influencia onde e que tipos de nuvens se formam. Existem tantos processos e ciclos de feedback que podem afetar as alterações climáticas, que é útil decompor a questão em partes menores.
"Sempre que conseguimos compreender melhor uma das peças, diminuímos a incerteza de todo o problema", afirma Sandrine Bony, que coordenou o projeto EUREC4A, financiado pela UE, que terminou no ano passado.
Há alguns anos, Sandrine Bony e os seus colegas descobriram que as nuvens pequenas e fofas, comuns nas regiões dos ventos alísios, causam alguns dos maiores níveis de incerteza nos modelos climáticos. Estas nuvens são conhecidas como cumulus dos ventos alísios.
De acordo com a Sandrine Bony, embora as nuvens cumulus dos ventos alísios sejam pequenas e relativamente pouco espetaculares, estas são numerosas e muito encontradas nos trópicos. Como existem muitas destas nuvens, o que lhes acontece pode ter um enorme impacto no clima.
O projeto EUREC4A utilizou drones, aviões e satélites para observar nuvens cumulus dos ventos alísios e as suas interações com a atmosfera sobre o Oceano Atlântico ocidental, perto de Barbados.
Muitos modelos assumem que a estrutura e o número destas nuvens irão mudar significativamente à medida que a temperatura global aumentar, levando a possíveis ciclos de feedback que amplificam ou atenuam as alterações climáticas. Os modelos que projetam uma forte redução dessas nuvens à medida que as temperaturas aumentam, tendem a prever um maior grau de aquecimento global.
Contudo, Sandrine Bony e os seus colegas descobriram que as nuvens cumulus dos ventos alísios alteram-se muito menos do que o esperado, à medida que a atmosfera aquece.
"De certa forma, são boas notícias porque um processo que pensávamos poder ser responsável por uma grande amplificação do aquecimento global parece não existir", afirma Sandrine Bony. Mas mais importante: significa que os climatologistas podem agora utilizar modelos que representam com maior precisão o comportamento destas nuvens, ao preverem o efeito das alterações climáticas.
De acordo com Sandrine Bony, reduzir este elemento de incerteza nas previsões da extensão global do aquecimento tornará mais precisas as previsões dos impactos locais, como as ondas de calor na Europa.
"O aumento da frequência das ondas de calor depende muito da magnitude do aquecimento global", afirma. "E a magnitude do aquecimento global depende muito da resposta das nuvens."
Entretanto, a professora Trude Storelvmo, cientista atmosférica da Universidade de Oslo, na Noruega, tem vindo a explorar os processos dentro de um tipo diferente de nuvens - nuvens de fase mista - para ajudar a melhorar os modelos climáticos.
A professora Storelvmo é fascinada pela forma como os processos nas nuvens, que ocorrem numa escala minúscula e micrométrica, podem ter uma influência tão grande nos processos atmosféricos e climáticos à escala global.
As nuvens de fase mista contêm água no estado líquido e gelo e são responsáveis pela maior parte da precipitação em todo o globo. Nos últimos anos, tornou-se claro que estas também desempenham um papel importante nas alterações climáticas. A professora Storelvmo coordenou o projeto MC2, financiado pela UE, que decorreu durante cinco anos até ao mês passado e descobriu novos detalhes sobre como as nuvens de fase mista reagem a temperaturas mais elevadas. Os resultados destacam a urgência da transição para uma sociedade de baixo carbono.
Quanto mais água no estado líquido as nuvens de fase mista contêm, mais refletoras serão. E ao refletirem mais radiação solar para longe da Terra, arrefecem a atmosfera.
"À medida que a atmosfera aquece, estas nuvens tendem a passar do gelo para o estado líquido", afirma a professora Storelvmo. "E o que acontece é que as nuvens se tornam mais refletoras, ficando com um efeito de arrefecimento mais forte."
Contudo, há alguns anos, a professora Storelvmo e os colegas descobriram que a maioria dos modelos climáticos globais sobrestimam este efeito. O projeto MC2 lançou balões em nuvens de fase mista e utilizou dados de deteção remota de satélites para sondar a sua estrutura e composição.
Os investigadores descobriram que os modelos climáticos atuais tendem a tornar a mistura de água e gelo nas nuvens de fase mista mais uniforme e menos complexa do que nas nuvens reais, levando a sobrestimações da quantidade de gelo nas nuvens.
Segundo a professora Storelvmo, como estas nuvens modelo têm mais gelo a perder, quando as simulações as aquecem, a alteração na refletividade é maior do que nas nuvens reais. Isto significa que os modelos sobrestimam o efeito atenuante que as nuvens de fase mista têm sobre as alterações climáticas.
Quando a equipa associou os dados mais realistas das nuvens aos modelos climáticos e os submeteu a um aquecimento simulado, fez outra descoberta importante: o aumento da refletividade das nuvens de fase mista enfraquece com o aquecimento.
Embora com o aquecimento moderado o efeito atenuante nas temperaturas mais elevadas seja bastante forte, tal já não se verifica à medida que o aquecimento se intensifica.
Chega a um ponto em que o gelo na nuvem derrete e o efeito de arrefecimento enfraquece - e acaba por desaparecer completamente. Precisamente quando isto começa a acontecer, torna-se uma questão para investigação futura.
Porém, de acordo com a professora Storelvmo, isto reforça a necessidade de reduções urgentes nas emissões de gases com efeito de estufa.
"As nossas conclusões sugerem que se deixarmos as emissões de gases com efeito de estufa continuarem, não será apenas um aquecimento linear e gradual - pode existir um aquecimento rapidamente acelerado quando se atinge um determinado ponto", afirma. "É mesmo necessário evitar chegar a esse ponto a todo o custo."
À medida que novas conclusões sobre nuvens forem integradas em modelos, as previsões climáticas utilizadas pelos decisores políticos tornar-se-ão mais precisas.
A investigação neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Investigação (CEI) da UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.