O mundo onde já não é preciso ter chave física para andar de carro ou no qual podemos ceder acesso ao nosso veículo por app e ver onde o deixámos no mapa ou usando as câmaras do veículo já chegou - tal como aquele em que os carros comunicam entre si para alertar parra trânsito ou perigos. A Critical TechWorks (CTW), criada em Portugal há quase quatro anos numa joint venture entre a portuguesa Critical Software (CS) e o BMW Group, está a ajudar a criar a mudança de paradigma usando para o efeito novo software - aproveitando experiência e métodos da CS.
Em outubro de 2018, a CTW começou com 100 pessoas vindas da Critical Software, mas hoje já atingiu a marca dos 1300 colaboradores, quase todos engenheiros e a maioria portugueses - entre Lisboa e Porto -, superando o número de trabalhadores da casa-mãe, com sede em Coimbra (quase mil).
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"Vamos terminar o ano com 1400, que era uma meta para daqui a dois ou três anos, e isso acontece porque tem havido confiança crescente da BMW e um aumento dos projetos em que quer que estejamos envolvidos, que vão da produção à utilização do próprio carro". Quem o diz é Pedro Vieira da Silva, CTO da empresa que é o braço de inovação digital e software do Grupo BMW, numa altura em que a competição e a transformação na mobilidade nunca foram tão rápidas, à boleia da Tesla.
Depois de 11 anos na Critical Software, transitou para a nova empresa. "Foi um desafio incrível poder vir ajudar a transformar um gigante como a BMW, com 120 mil pessoas, 4 mil sistemas informáticos e experiência e ecossistema com 100 anos."
O engenheiro de computação de 42 anos admite que a CTW teve liberdade para manter a identidade ágil (rapidez de processos) da CS e a expansão da equipa acabou por ser três anos mais rápida do que previsto (1400 era o objetivo para 2024) devido "ao sucesso acima do esperado" da parceria e das "crescentes necessidades".
"A BMW vê claramente Portugal com potencial enorme, talento, boas universidades e pessoas com capacidade de se adaptarem às novas tecnologias e contribuírem cada vez mais para várias áreas do grupo, além da experiência da CS", explica, indicando que o grupo automóvel também teve de se reinventar no digital.
A única indicação do gigante alemão é sobre novos projetos (e têm sido em crescendo) onde quer o contributo em software da CTW. O mais recente é a criação em Portugal da área para condução autónoma, com 50 engenheiros, "para dar nova dimensão ao trabalho que começou a ser feito na Alemanha".
A face mais visível do contributo digital da CTW para a BMW são as apps criadas em 2020 (chegam a 1 milhão de clientes), que permitem controlar de forma remota o conforto dos bancos, níveis de temperatura, abrir o carro à distância ou ceder o controlo a outra pessoa com chave digital.
São mais de 100 produtos de software em desenvolvimento, "só alguns relacionados diretamente com o carro". "Mais de 90% do que a nova app permite foi feito por nós e dá maior interação entre a BMW e os clientes através do telemóvel, ou seja, é quase como ter o controlo do carro na mão", explica o CTO.
Além disso, há novas funções a chegar em breve até porque "hoje em dia o software existe em todas as dimensões". Também ajudaram nos novos menus no sistema de infoentretenimento e navegação. "Contribuímos cada vez mais com a digitalização na eletrificação, conectividade e automatismo e para todo o ecossistema de um fabricante como a BMW", avança Vieira da Silva, admitindo que há software a contribuir e a trazer eficiência desde o momento em que se pensa o carro e ele ainda não existe até à logística, produção, venda, transporte e entrega.
Um dos exemplos é o software para facilitar o uso de robôs autónomos que transportam peças para a linha de montagem no chão de fábrica. "Um carro tem milhares de componentes que é preciso organizar e escalonar para chegarem na altura certa e trouxemos assim melhorias no processo de fabrico", explica. Sobre o 5G na indústria, estão a participar em projetos-piloto na Alemanha, em fase experimental.
A nível de contratações, não tem sido difícil fazer crescer a equipa de forma vertiginosa "até porque a CTW já tem prestígio internacional e já recebe muitas candidaturas de fora de Portugal". Apesar de haver uma maioria de colaboradores portugueses (bem acima dos 50%), o número tende a equilibrar-se "até porque valorizamos experiências diferentes de pessoas vindas de outros locais que podem trazer outras mais valias".
A seguir a Portugal destaque para os colaboradores do Reino Unido, Alemanha e Brasil. Certo é que independentemente de Portugal ter "bom talento", é sempre necessário "talento de várias partes numa multinacional" e "há sempre pessoas que saem e ajustes de mercado que são normais".
Sobre a concorrência pelo melhor talento numa altura em que Portugal tem atraído várias multinacionais estrangeiras, ela existe mas Vieira da Silva lembra "nem sempre é preciso contratar pessoas com 20 anos de experiência, também temos jovens no primeiro emprego que formamos e chegam motivados para crescer connosco".
O CTO admite que a Tesla tem ajudado a expandir possibilidades digitais no mundo automóvel, mas a BMW só avança com tecnologia "quando ela tem a possibilidade de fazer a diferença para melhor", sendo que os próximos modelos i4 e iX3 já vão trazer novidades criadas pela CTW.
E se as funcionalidades a surgir vão crescer - algumas ainda por anunciar "estão relacionadas com a personalização e com esta vantagem de os carros saberem que somos nós a conduzir (reconhecimento facial irá ajudar) e os nossos hábitos" -, há outras que só serão possíveis com nova arquitetura total para modelos da BMW e Mini lançados depois de 2025.
"A partir do momento em que o carro está conectado e as suas funções são controláveis e automáticas, é possível criar todo um mundo de serviços e possibilidades." Certo é que para aí chegar a CTW começou neste ano a preparar o novo desafio: ajudar a construir a tal nova arquitetura que "muda o jogo" e "dá ao carro flexibilidade total para melhorar ao longo do tempo, com atualizações que fazem a diferença".
Aí entram atualizações de software, como já acontece com os smartphones e que a Tesla também já usa. Sobre a condução autónoma, "vai mesmo chegar nesta década e ser revolucionária".
O responsável admite que será mais fácil encontrar standards para isso na indústria do que até agora, porque os incentivos e vantagens para todos "são enormes". Ainda assim, só faz sentido avançar com carros robôs "quando houver certezas completas, tanto tecnológicas como de legislação". "É uma questão de tempo", diz.