Ao fim de 11 anos, a primeira subida de juros pôs o sistema do euro a caminho da normalidade, depois de sete anos com taxas nulas ou negativas. Normalidade, porém, é má notícia para um país como Portugal, pouco habituado a antecipar, ainda menos a poupar, sobretudo num contexto em que a inflação, a subir a uma média de 1 ponto por mês por efeito da guerra na Ucrânia e da consequente escalada nos preços dos combustíveis, já nos roubou o equivalente a pelo menos um salário.
Já aqui o escrevi, as famílias estão em perda crescente, com pouco mais de zero aumentos, quando os há, nos seus rendimentos e as contas todas a subir em flecha, depauperando a almofada cheia à força de dois anos de pandemia e confinamentos. E agora verão subir também a prestação da casa, os custos dos créditos antes ou entretanto contraídos e cujo verdadeiro valor esqueceram numa década de juros nulos.
As empresas, continuamente penduradas por ineficiências que dificultam a sua atividade, com acesso adiado aos fundos que permitirão fazer as transformações exigidas no âmbito da digitalização e da descarbonização, confrontadas com custos de produção e logística brutais, falta de matérias-primas, interrupções nas cadeias de abastecimento e carência de mão-de-obra, vão ter mais um berbicacho nas mãos. Além de o crédito encarecer só por si, ficará mais difícil à boleia da avaliação que o Estado recebe nos sistemas internacionais. Além do que, com menor poder de compra e mais encavadas pelos custos, as famílias vão conter-se nos gastos. O consumo vai retrair-se, com mais efeitos dolorosos nas empresas que menos exportam.
Mas o maior problema é outro ainda: o fim do estado de graça que nos chegou via pandemia, com a inédita decisão de Bruxelas de somar uma bazuca de dinheiro à taxa de juro inexistente e à compra de dívida dos países do euro pelo BCE. Foi uma ajuda de peso para reduzir o défice aos parâmetros europeus, e mais ainda - o que nos será muito útil nos tempos que aí vêm. Mas não contribuiu para reduzir os níveis de endividamento do país, que se mantém no top 3 dos maiores devedores, mesmo depois de anos a beneficiar de financiamento barato.
A inflação tem ajudado à recolha de impostos (veja as contas feitas aqui por António Saraiva), permitindo acumular mais dinheiro nos cofres do Estado para tentar reduzir dívida. Mas aguentando Portugal com a cabeça pouco acima da linha de água, qualquer chuvisco é capaz de nos afogar. Sem visão de longo prazo, sem projetos transformadores, sem imprimir eficiência e apostar em atrair valor acrescentado ao país, não só não vamos crescer como vamos afundar-nos sem remédio.
Quando anunciou a subida de 0,50 pontos nos juros, inevitável face a uma taxa de inflação a roçar os 9%, Christine Lagarde garantiu-se disponível para ajudar os países que "comprovadamente precisassem". Mas o BCE não é a Santa Casa e a ajuda que oferece, como sempre, tem regras (lembra-se da troika?)... Incluindo ter um nível de endividamento aceitável e uma produtividade razoável. O que deixa Portugal em maus lençóis.
Não é o diabo que aí vem, é a realidade que alguns teimam em não querer ver, em negar até que lhes venha bater na cara.
SOBE: Andy Brown, CEO da Galp
Quem ainda não percebeu a profunda transformação que a Galp está a empreender talvez fique esclarecido com a compra que a energética anunciou nesta semana. Ao garantir 100% do portefólio solar da ACS, com a compra de 25% da Titan em Espanha (por 140 milhões), a empresa poderá responder melhor à ambição de ter mais de 4 GW de capacidade de energia renovável em operação até 2025 e 12 GW até 2030. O solar é uma aposta assumida por Andy Brown - a par da nova vida da refinaria de Sines, entre o hidrogénio e a amónia verde - e só não está mais avançada pelos problemas do costume: Portugal quer mais energia renovável, mas tarda em validar projetos e dificulta a obtenção de licenças.
DESCE: Marta Temido, ministra da Saúde
"Sabíamos que íamos ter contingências durante o verão e sempre dissemos que o funcionamento em contingência durante o verão iria acontecer", disse ontem Marta Temido, dois dias depois de ter apresentado uma espécie de plano para fazer face ao SNS que nada fez para impedir de rebentar. E seguindo o registo do seu querido líder António Costa no debate do Estado da Nação ("não há caos, há desafios", repetiu o primeiro-ministro), a ministra da Saúde ainda lembrou que "os sistemas de saúde têm problemas, a vida tem problemas" e o que importa é que se faça alguma coisa. Acredita, ou quer-nos fazer acreditar, que "fazer alguma coisa" é dar uns trocos aos gestores hospitalares em agosto para irem buscar os profissionais que lhes fazem falta há meses. E, claro, informar os doentes sobre quais são os hospitais onde não vale a pena irem se se sentirem mal, porque mesmo com trocos para distribuir não conseguiram mãos para trabalhar. Nada mal, para quem conseguiu em quatro anos rebentar com o que funcionava nos serviços de Saúde do país.