O Brasil fútil

O caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, em Brasília. O advogado Adriano Gianelli, de 39 anos, conseguiu derrotar a ex-mulher e ficar com a guarda do filho de oito anos, após uma luta jurídica que durava desde 2009. Noutras instâncias do processo, Gianelli ofereceu à ex-mulher todas as suas propriedades - dois apartamentos, um junto à praia e outro num condomínio de luxo nos arredores de São Paulo, e dois automóveis por estrear - para obter a guarda do filho, sem êxito. Falta apenas dizer que o filho do casal não é um filho de verdade, apenas é assim tratado pelos "pais" - chama-se Mandic e é um cão da raça dachshund, mais conhecido como salsicha.
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Se excluirmos os amantes exagerados de animais de estimação, o comum dos mortais vê o caso como mais uma extravagância de gente rica. E carente. Mas aqui serve apenas de exemplo para, citando o anúncio português do Euromilhões, os excêntricos que a era dourada do Brasil criou. Nem todos das classes sócio-económicas mas elevadas, longe disso.

Comecemos então pelos animais de estimação. No período das vacas gordas, animais que há também quem domestique, o país passou todos os grandes europeus - Reino Unido, Alemanha e França - e tornou-se o segundo do mundo no mercado "pet", liderado, ainda com larga distância, pelos EUA.

São mais de 40 milhões de cães e cerca de 25 milhões de gatos (a distância entre ambos, porém, tende a diminuir, segundo estudos), o que levou os dois maiores gigantes mundiais da comida para animais, a Mars e a Nestlé, a abrirem fábricas e a duplicarem o número de lojas no Brasil.

Por outro lado, se no transporte doméstico as viagens de autocarro pelo gigante sul-americano diminuiram de 62 milhões para 55 milhões de passageiros no período entre 2005 e 2013, as de avião cresceram de 38 para 90.

Pode não ser mais do que um sinal de progresso mas se tivermos em atenção que no mercado dos jatos-executivos o Brasil (com perto de 1000 unidades) ultrapassou o México, deixou todos os BRICS lá para trás e também só vê agora os EUA (com 13 mil unidades) à frente, já entramos mais no domínio da ostentação.

E no país em que menos de metade da população é atendida por serviço de esgoto, haver 273 milhões de linhas telefónicas ativas parece exagero - dá uma média de 158 por cento da população, muito acima da média mundial de 115, e, neste caso, até da dos primos excêntricos norte-americanos, com registo de 156.

O impulso na aquisição de televisões também foi significativo - hoje o país tem a média de um aparelho por habitante (em rigor o último estudo, de 2014, falava em 97 por cento da população), bem acima da média mundial de 72.

No mercado de computadores prevê-se que em 2016 o número de desktops, tablets e afins equivalha ao da população total.

Noutra área, o número de brasileiros que recorreu a cirurgias estéticas também explodiu em paralelo com o crescimento económico da Era Lula (e um bocadinho da Era Dilma), ou não fosse o Brasil um país conceituadíssimo no setor a nível global.

Só em 2013 registaram-se 184.933 intervenções - calma, o número é pequenino porque refere-se apenas ao de homens que se submeteram a lipoaspirações e outras cirurgias, se tomarmos em consideração que as operações deles equivalem a menos de 12 por cento do total, é multiplicar aquele número por 8,3 para se ter a noção da grandeza da indústria no país.

E porque não necessitam de cirurgia, não estão contabilizadas as 49.968 aplicações de botox masculinas em 2013, um número que fez os homens passarem de um décimo a um terço da clientela dos médicos especializados na famosa toxina.

Mais: os cuidados masculinos com a beleza refletem-se noutras áreas, como no vestuário, à qual recorreram com quase o dobro da frequência no último decénio.

Há mesmo quem tenha 20 peças de verão e 20 peças de inverno no armário, o que até pode não parecer nada de especial, a não ser que estejamos, como estamos, a falar de Mandic, o salsicha.

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