O Brasil segundo Valdemar

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Fechou a janela do mercado de transferências no Brasil. Mas não se pense que estamos a falar de futebol - é de política que se trata.

Durante o mês de março, de quatro em quatro anos, os deputados brasileiros podem trocar de partido pela melhor oferta, como se de guarda-redes ou pontas-de-lança se tratassem.

Os parlamentares brasileiros mudam de partido, em primeiro lugar, porque boa parte desses partidos e desses parlamentares são - assumidamente - vazios do ponto de vista ideológico. Estar no PL ou no PP, no Republicanos ou no PSD, no União Brasil ou no PSC, é indiferente. Eles, parlamentares e partidos, são - também assumidamente - movidos apenas por cargos e verbas.

"Comprar" um deputado eleitoralmente competitivo é bom negócio para os partidos, porque quanto mais votos esse parlamentar obtiver a maiores nacos do milionário fundo público partidário - 5,7 mil milhões de reais (cerca de 1,1 mil milhões de euros) - tem direito.

E "assinar" por um partido com uma bancada forte é bom negócio para o deputado, porque esse milionário fundo público partidário também é distribuído de acordo com a grandeza do partido.

Assim como para Messi é bom negócio ir para o PSG, porque o clube lhe paga bem; e para o PSG é bom negócio ter Messi porque ele representa a possibilidade de mais títulos, logo, mais dinheiro. Não é muito diferente.

Mas, e por que é que o eleitorado vota, eleição após eleição, em oportunistas de olho apenas nos milhões do fundo? Porque a população vê esses políticos, normalmente caciques locais dos mais recônditos rincões do Brasil, como hábeis negociadores em Brasília. E se são hábeis negociadores em Brasília, mais dinheiro trarão para os recônditos rincões do Brasil pelo qual forem eleitos - se colocarem algum ao bolso, é o preço da política "à brasileira" baseada há décadas (séculos?) no célebre "ele rouba mas faz".

No final desta janela, o grande vencedor foi o Partido Liberal (PL), sob domínio de Valdemar Costa Neto, com 42 reforços. O experiente político de 72 anos apostou numa contratação de peso, nada menos do que o presidente Jair Bolsonaro, agora no décimo partido da sua carreira política de cerca de 30 anos, para trazer atrás dele 41 bolsonaristas espalhados por outras formações e assim multiplicar o acesso ao tal fundo que move os políticos.

Antes de convencer o atual presidente a juntar-se ao PL, no entanto, Valdemar pensou em apoiar o seu maior adversário eleitoral, Lula da Silva - sim, seria como se em Portugal um dirigente partidário oscilasse entre, digamos, aliar-se a António Costa e, por exemplo, coligar-se com André Ventura, mas, como já foi dito, em Brasília, ideologia é detalhe.

Feitas as contas, Valdemar concluiu que com Bolsonaro no PL engordaria mais a bancada (e o dinheiro do fundo partidário) do que apoiando Lula, que tem partido próprio, o Partido dos Trabalhadores (PT).

No passado, no entanto, o PL apoiou Lula durante todos os governos do PT em troca do controle do ministério dos Transportes e do seu generoso orçamento.

Além de Lula e de Dilma Rousseff, o camaleónico Valdemar também foi aliado de Itamar Franco, de Fernando Henrique Cardoso, em determinados períodos, e de Michel Temer, além, agora, de Bolsonaro.

Filho de político, como quase todos os políticos no Brasil, Valdemar foi, em 2013, condenado a sete anos de cadeia por envolvimento no Mensalão mas, mesmo de dentro da cadeia, controlou o orçamento do partido e as suas contratações durante as janelas de mercado. Entretanto, também foi citado como beneficiário de esquemas de corrupção no Petrolão e noutras operações de menor valor mediático. Nada, no entanto, que o tornasse tóxico aos olhos de Bolsonaro, um suposto lutador anticorrupção.

No fundo, para se entender a política no Brasil, é preciso entender Valdemar Costa Neto.

João Almeida Moreira, jornalista residente e São Paulo, Brasil

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