O caminho de um aluno pobre para Harvard

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Tal como prometia o atraente folheto, no momento em que pus um pé

no campus de Harvard, no outono passado, fui exposto a um mundo novo,

estimulante e revelador. Discuti a ascensão da China com Larry

Summers, enquanto comíamos umas fatias de piza, frequentei um curso

de genética orientado por um dos homens vivos mais sexy, segundo a

revista People (cumprimentos a Kevin Eggan) e assisti na primeira

fila a uma fabulosa conferência de um dos meus escritores favoritos,

Atul Gawande, sobre a diferença entre treinar e ensinar.

Mesmo assim, o meu ano de caloiro foi provavelmente um dos mais

complicados da minha vida.

Nasci e cresci a mais de 2400 quilómetros de distância, num

pequeno apartamento em Jackson, Mississippi. Toda a vida estive

sozinho com a minha mãe. Tenho um pai amoroso, mas ele e a mãe

separaram-se pouco depois de eu nascer e com os seus horários

esquisitos como condutor de autocarros raramente o via.

Sou filho único, por isso a minha mãe subjugava-me com o seu

amor. Para alguém que vê tanta beleza no mundo, ela fez muitos

esforços para me proteger dele. Televisão, música rap, até o

basquetebol com os miúdos do bairro estavam fora de questão.

Enquanto adolescente, ressenti-me um pouco disto, mas acabei por

apreciar os seus enormes sacrifícios - levar-me a pé à biblioteca

todas as tardes, ter vários empregos para pôr comida na mesa,

contar-me histórias à noite, já muito tarde.

No verão antes do meu último ano na secundária, quando anunciei

que decidira candidatar-me a uma escola da Nova Inglaterra, notei um

vestígio de hesitação, antes de o sorriso caloroso lhe iluminar o

rosto. Fiz de conta que não via, mas nunca consegui esquecer. Tentei

articular as razões para desejar partir - provar que era

suficientemente inteligente, medo de tomar o caminho mais fácil, o

clássico sentimento adolescente de estar encurralado - mas as

palavras apenas me fizeram parecer frívolo e ingrato.

Apesar disso, comecei a trabalhar diligentemente nas candidaturas

à universidade - primeiro Harvard e cerca de uma dúzia de outras em

stand-by. Sabia que as probabilidades de entrar em Harvard não

jogavam a meu favor e a minha escola secundária não era de grande

auxílio, pois o conselheiro para o último ano era responsável por

centenas de alunos. Então, li toneladas de livros de preparação

para a universidade. Se alguma coisa aprendi com eles, foi que nada

destrói mais depressa uma candidatura vencedora do que um ensaio

trivial como "Deixem-me contar-vos daquela vez em que ganhei a

corrida da minha cidade." Escrevi acerca da crescente tensão que

vivi, entre ciências e humanidades. E com meses de avanço abordei

os meus professores incrivelmente sobrecarregados de trabalho com um

sorriso e pedidos de cartas de recomendação já colocados em

envelopes selados.

Poderão considerar-me um estudante destacado clássico, mas sem

dinheiro para um conselheiro de acesso à universidade. Frequentei

todas as aulas de nível avançado que consegui introduzir no meu

horário - nove das 12 que a minha escola oferecia. Participei em

concursos de ciência a nível estadual e nacional. Já desempenhava

os papéis de liderança exigidos: editor do jornal da escola e

presidente da secção da National Honor Society. Fundara um grupo de

discussão com alguns dos meus melhores amigos e passava os tempos

livres a ensinar Matemática e Inglês a crianças da escola

elementar e média.

Para meu deleite, fui aceite em Harvard - recebi a notificação a

15 de dezembro de 2011, três dias antes do meu aniversário. Nessa

noite, depois de todas as mensagens de parabéns, sentei-me no meu

quarto e chorei descontroladamente.

Sentia-me encurralado diante dos dois mundos que tinha à frente.

Um deles, aparentemente, oferecia-me oportunidades ilimitadas - bolsa

de estudos completa, avanço na carreira, possibilidade de viajar.

Porém, que tinha de sacrificar em troca? Eu e a minha mãe nunca

tivéramos finanças sólidas, e isso não mudaria num passe de

mágica. De repente, percebi por que razão a sua expressão

hesitante me perturbara. Fora o mesmo olhar que me dirigira a

primeira vez que tínhamos sido despejados de casa. Que lhe

aconteceria se eu partisse? Algumas semanas mais tarde, quando ela

perdeu o emprego, os meus receios cresceram.

A culpa invadiu-me; sob o sorriso, era a vergonha que me dominava

os pensamentos. Passei as últimas semanas do último ano no liceu

doente de preocupação: se eu a deixasse, ela poderia não ter o

suficiente para comer, um lugar seguro para viver, uma companhia

amorosa que ouvisse as suas histórias. Decidi adiar a minha entrada.

A minha mãe nem quis ouvir. "O facto de teres sido aceite em

Harvard é uma das melhores realizações da minha vida", disse-me,

"e o diabo é que te deixarei desistir".

Não desisti.

No princípio do ano, li um artigo acerca da incapacidade de as

universidades de elite atraírem estudantes pobres: um estudo de

Stanford demonstrou que só 34% dos estudantes de topo com rendimento

mais baixos frequentaram uma das 238 universidades mais seletivas do

país.

Não acredito que aumentar pacotes de ajuda financeira e criar

folhetos atrativos possa, só por si, inverter a tendência. As

verdadeiras forças que nos mantêm longe das universidades de elite

são culturais: medo de entrar num ambiente diferente, culpa de

deixar familiares a debaterem-se com pressões financeiras cada vez

maiores, impulso de trabalhar para nos sustentarmos e à família.

Dei por mim distraído enquanto resolvia conjuntos de problemas nas

aulas, perguntando-me qual era o meu papel naquele lugar estranho.

Comecei a pensar, "Quem sou eu, afinal, para julgar que pertenço a

Harvard, a alma mater de Bushs, Kennedys e Romneys? Talvez tivesse

sido melhor ficar no Mississippi, que é o meu lugar.

E havia as questões existenciais: que importa tudo isto, as

avaliações recorrentes dos meus sonhos e motivações subjacentes

(quero mesmo ser médico?), e até mesmo considerações sobre a

problemática estrutura socioeconómica que me tolhia. (Normalmente,

os estudantes de Harvard passam o verão depois do primeiro ano a

viajar pelo estrangeiro. Eu renunciei a um internato na Grécia. Era

remunerado, mas não me pareceu que pudesse pagar as viagens.)

Neste ano, mudei de formas que nunca imaginara. Enquanto via os

meus colegas - uma eclética coleção de entusiastas da literatura,

génios da ciência, virtuosos da música e prodígios da matemática

- lutarem humildemente pela excelência, senti-me inspirado,

ligeiramente inadequado e com esperança no futuro.

Julgo perceber agora porque a minha mãe me deixou partir. Harvard

forçou-me a crescer e a lançar um olhar franco ao mundo e a mim

mesmo. Quanto a mim, não trocaria a experiência por nada do mundo.

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