O cometa Eike: A queda de um império no Brasil

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Num dos últimos dias de abril, os operários do estaleiro Porto

do Açu largaram as tarefas e levantaram a cabeça para o céu. Lá

de cima descia, como uma estrela cadente, o helicóptero do patrão,

Eike Batista. Que viria ele fazer ao estaleiro numa altura em que o

seu império ameaça ruir? Viria acompanhado de Lula, o ex-presidente

e amigo, a quem tem recorrido depois de as ações da sua principal

empresa caírem 90%? De Dilma Rousseff, a atual presidente, que

gostaria de ter uma solução para o desespero do magnata? Chegaria

ao lado de um banqueiro disposto, finalmente, a ajudar? De um

milagroso investidor estrangeiro? Depois de meses de crise e

especulações, os operários angustiavam-se sob o ruído dos motores

da aeronave.

Afinal, ao lado do empresário avança, com os cabelos

despenteados pelo vento da hélice, uma mulher. Não é Dilma, não é

a socialite Flávia Sampaio, a atual mulher de Eike, não parece

banqueira, não parece investidora. É uma mulher comum.

Desconhecida. Quem será então a estranha a quem Eike apresenta a

cada canto do estaleiro? O nome da senhora continua ainda por

revelar. Mas a função não: é a nova consultora esotérica do

grupo, ou "consultora filosófica e psicológica", para utilizar

a nomenclatura oficial. Estava pela primeira vez no Porto do Açu com

a missão de carregar a holding de energias positivas. Eike,

pragmático, racional e meio alemão por parte de mãe, rendeu-se ao

oculto. Provavelmente, não lhe restava mais nada depois do terrível

périplo nos meses anteriores por São Paulo e Brasília.

Eike Batista, o milionário instantâneo produzido pelo lulismo ao

longo da primeira década do milénio, passou as primeiras semanas de

abril nas capitais económica e política do país a tentar salvar o

que resta do Grupo X, o grupo empresarial que chegou à manchete do

The Wall Street Journal por estar a um passo da falência. Ao Palácio

do Planalto levou o pai, Eliezer Batista, antigo presidente da

gigante mineradora Vale, para comover a presidente Dilma - que

definiu Eliezer como "um dos homens que mais contribuíram para a

infraestrutura do país" -, e duas propostas. A primeira, uma ajuda

do BNDES, o banco de desenvolvimento estatal brasileiro; a segunda, a

sugestão de que a Petrobras, petrolífera pública, passasse a usar

o terminal de Porto do Açu. Respostas de Dilma: Não e não. O

empresário voou então para São Paulo para pedir financiamento

privado: não. O enésimo dos últimos meses.

Nem o lobbying do ex-presidente Lula para conseguir investimento

estrangeiro, que envolveu telefonemas para dois ministros de Dilma e

para o Itamaraty, o palácio-sede dos Negócios Estrangeiros do

Brasil, resultou em ajuda concreta.

Quando Eike era "o Lula da economia"

É após estas mal sucedidas viagens que, na seguinte, rumo ao

Porto do Açu, Eike se deixa acompanhar por uma benzedeira - aliás,

pela nova "consultora filosófica e psicológica" do Grupo X.

Eike Batista sempre foi considerado um megalómano pelos seus

pares da alta finança. Em 2010, ao chegar ao oitavo lugar da lista

de homens mais ricos do mundo da Forbes, disse que ultrapassaria o

líder, o mexicano Carlos Slim, em poucos anos, "a única dúvida é

se será pela esquerda ou pela direita".

Vivia-se a euforia da era Lula, Obama pedia conselhos ao homólogo

brasileiro, o Brasil chegava a sétima economia do mundo, a The

Economist ilustrava o Cristo Redentor travestido de foguetão, a

expansão chinesa consumia as commodities brasileiras com a

voracidade de um dragão e as organizações do Mundial de futebol e

dos Jogos Olímpicos (em 20134 e 2016) caíam no colo do presidente.

Só faltava uma peça ao ex-metalúrgico convertido ao

capitalismo: um símbolo, em carne e osso, do sonho brasileiro. O já

então relativamente conhecido e abastado marido da atriz e modelo

Luma de Oliveira, Eike Batista, ganhou o papel. E o Grupo X foi

somando uma mineradora, uma petrolífera, uma elétrica e um porto. E

de dois mil milhões de reais (767,8 milhões de euros) em 2006,

passou a 65 mil milhões (cerca de 25 mil milhões de euros) em 2011.

O Brasil público mas também o Brasil privado triunfavam. "Eike é

o Lula da economia, Lula é o Eike da política", chegou a titular

um jornal. E como Eike ficava bem na fotografia.

Sempre disponível para a imprensa, o empresário abria as portas

do magnífico hall de entrada da sua mansão onde, entre os móveis,

estaciona o Mercedes e o Ferrari. Era um sujeito com todos os

predicados dos tycoons mundiais, o seu nome tornou-se adjetivo para

sucesso, risco, ousadia, sorte. Investiu em equipas desportivas,

patrocinou filmes - nomeadamente Lula, o Filho do Brasil, em que o

ex-sindicalista é glorificado -, casou-se, separou-se e voltou a

casar-se. Deixou de ser apenas "o marido da Luma de Oliveira" e

passou a ter nome. Batista. Eike Batista.

O país arrefece e faz tremer o império X

Mas no último ano a China perdeu voracidade, a economia mundial

teima em estagnar, Obama não pede conselhos a Dilma, o PIB

brasileiro virou pibinho, faltam infraestruturas ao país para

acompanhar o aumento do consumo e a imprensa internacional até já

usa a palavra "desilusão" quando se refere ao Brasil.

"Agora que o pessimismo entrou em cena, Eike terá mais

dificuldades", resumiu Matthew Cowley, correspondente no Brasil da

Dow Jones Newswire e coautor do artigo negativo no The Wall Street

Journal. "A imagem de Eike é muito ligada à imagem do Brasil",

concorda Todd Benson, correspondente da agência Reuters.

Em tempos desfavoráveis, o otimismo de Eike, que despede

funcionários que lhe trazem más notícias com a mesma facilidade

com que Cleópatra os mandava matar, tornou-se suicida.

Com os 24 mil milhões de reais (cerca de 9,2 mil milhões de

euros) de dívidas que precisou de contrair para tirar os projetos do

papel e os gastos inesperados em obras no estaleiro de Porto do Açu

(uma estrutura equivalente a uma Manhattan e meia), que ameaçou ruir

porque não foi efetuado o necessário estudo de solo, o Grupo X

precisava de que as suas participadas dessem retorno imediato.

Mas a produção da MMX, a mineradora do grupo, em vez dos

previstos 37 milhões de toneladas de ferro anuais só extrai 7,4. E

a OGX, ao contrário dos esperados 20 barris de petróleo por dia,

ficou-se pelos oito, para desespero do homem que um dia disse: "Há

alguma coisa entre mim e a natureza, onde eu furo, eu acho."

Foi no dia 26 de junho de 2012, após um comunicado da OGX aos

mercados a informar sobre a extração de petróleo em baixa que as

ações da empresa caíram. Logo no dia 27, foram perto de 25% e nos

meses seguintes 70% de queda. De 65 mil milhões de reais em 2011 (25

mil milhões de euros), a empresa vale hoje cinco mil milhões (1,9

mil milhões de euros). Como a OGX representa cerca de 80% do Grupo X

e porque a rede empresarial de Eike é baseada na interdependência,

o fracasso de uma participada contamina a outra e, em última

análise, a holding.

O preço justo de uma ação da OGX é de uns míseros 80 centavos

de real, disse um analista do Deutsche Bank à revista brasileira

Exame. A mesma opinião do jornalista Matthew Cowley: "Uma ação

da OGX nunca vai valer um dólar, diz-se nos mercados."

O último fôlego do "empresário vai"

Eike ainda lançou uma empresa de entretenimento, uma empresa de

taxis-aéreos, um clube de voleibol, um hotel de luxo, navios

turísticos, restaurantes, uma empresa de catering e prédios que só

levaram a que perdesse o foco. E a direção. Com a demissão nos

últimos dias de Leonardo Gadelha, o diretor financeiro da

participada CCX, sobe a 41 o número de presidentes, diretores ou

conselheiros demitidos nos últimos tempos - agora já nem os

executivos otimistas escapam.

Com muitas ideias mas dificuldades no acompanhamento dos projetos,

o colunista da Veja José Guzzo referiu-se ao estilo empresarial

fantástico de Eike apelidando-o de "empresário vai". "Ele é

o empresário vai, vai investir, vai fazer, vai comprar, vai

negociar."

A propósito, consta que Eike vai comprar os direitos de

exploração do novo Estádio do Maracanã.

Na vida pessoal, Thor, filho do empresário e de Luma de Oliveira,

ao volante do tal Mercedes estacionado dentro de casa, atropelou

mortalmente um ciclista e chegou a ser indiciado por homicídio

culposo. Mais uma dor de cabeça.

Por outro lado, a atual mulher de Eike, Flávia Sampaio, está

grávida de oito meses do primeiro filho do casal. Mas no seu blogue

pessoal contou que foi comprar o enxoval do menino a Miami por ser

mais barato, o que motivou comentários maldosos sobre as

dificuldades financeiras do marido.

Do fracasso do lobbying do parceiro Lula à relação apenas

cordial com Dilma, da intransigência dos banqueiros da Avenida

Paulista à indiferença dos investidores estrangeiros, das

circunstâncias internacionais desfavoráveis às preocupações

familiares, nada parece valer a Eike nesta fase. A não ser talvez a

sua consultora filosófica e psicológica que, ao que parece, chegou

a um diagnóstico: o Sol, no símbolo das empresas, está a girar

para o lado esquerdo e não para o lado direito, como deveria.

Pelo sim, pelo não, Eike Batista já mandou alterar toda a

comunicação visual do Grupo X.

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