A nossa Segurança Social baseia-se no conceito de que há um contrato social. Os empregados, tipicamente os mais novos, pagam reformas e pensões de todos os que não podem trabalhar ou precisam de ajuda. Os termos do contrato são claros: os trabalhadores pagam uma taxa bem definida que é dada diretamente a quem mais precisa.
Esta ideia, porém, morreu. Não morreu de repente, verdade seja dita. Foi morrendo em cada Orçamento do Estado (OE). Com este OE deu-se mais um passo. Acentuou-se a ideia de que a contribuição deixa de estar bem definida (art.º 220 e 223). Pode parecer um detalhe, mas é muito mais do que isto.
Comecemos pelo princípio: A ideia de contrato social é a base de toda a política social. Por exemplo, cada um de nós não paga, com as suas contribuições sociais, a sua própria reforma - paga a dos mais velhos. Há uma solidariedade entre gerações.
Note-se que com esta visão de solidariedade levada ao extremo é impossível haver falência da Segurança Social (SS). Porquê? Porque as responsabilidades que temos perante os mais velhos e desfavorecidos são decorrentes das contribuições que cada um faz e não do benefício que geram. Isto é muito importante: só a contribuição está definida. O benefício? É o possível.
A reforma da Segurança Social de Vieira da Silva veio aliás clarificar este ponto definindo o valor da reforma com base nas expectativas de contribuição do momento. Se houver poucas contribuições, a reforma será pequena. Há, ou deveria haver, ajustamento automático entre receita e responsabilidade.
Agora, nesta proposta do Orçamento do Estado, uma parte do IRS passará a estar consignada à Segurança Social. O IRC já financia a segurança social desde 2018 e o adicional do IMI desde 2017. Note-se que uma parte do IVA também já está ligado à Segurança Social desde o primeiro governo de Sócrates. Tudo isto além das contribuições sociais de trabalhadores e empresas.
A ideia de aumentar as fontes de receita da Segurança Social parece estupenda: "Não é preciso contribuir mais, para dar mais?"; "É possível alguém viver com estas reformas e pensões?". Porém, se alterarmos a ideia de contribuições fixas e bem definidas, deixaremos de ter solidariedade geracional, ou um seguro para dias difíceis. Passaremos a ter uma política de distribuição governamental.
O Conselho de Ministros dirá quanto é que temos de pagar, para fazer face a um benefício definido por este. Os limites à solidariedade passarão a ser volúveis, sujeitos a pressões: se a "coisa estiver mal", pagar-se-á mais - basta ir buscar mais aos restantes impostos. Em cada ano será só um pouquito mais.
Com mais esta pequena alteração, quase sem discussão, passaremos a ter uma política de distribuição dependente do governo de turno. Em vez de uma Segurança Social teremos uma Benesse Social.
Os contratos sociais são a base de uma sociedade: Nós vamos rasgar um. E ainda nos vão dizer que é uma vitória moral e social e que o sistema de previdência estará mais sólido.
Filipe Charters de Azevedo é fundador e CEO da DATA XL e da SafeCrop