Numa altura em que o Orçamento do Estado se encontra em discussão na Assembleia da República, vale a pena refletir, não sobre as idiossincrasias técnicas do referido documento e respetivas implicações políticas, mas sobre a perceção dos contribuintes relativamente ao que lhes sai dos bolsos bem como em relação àquilo de que beneficiam.
O OE é um documento que consubstancia uma previsão de receitas e despesas públicas para determinado ano. Afirmar que o Governo propõe que as despesas com a Saúde sejam cerca de 35 mil milhões de euros ou que com as Infraestruturas e Habitação sejam 7 mil milhões de euros, diz muito pouco ao cidadão comum. Os milhões são tantos que ultrapassam de largo a capacidade de entendimento da generalidade da população - o que, aliás, é bem natural pois não são todos economistas e, muito menos, especialistas em finanças públicas.
Descendo a uma visão mais individual daquilo que são as receitas e as despesas do Estado, há duas ideias feitas: a primeira é que os impostos são muito elevados e a segunda é que os serviços públicos são insuficientes e de má qualidade. Não vou refletir sobre a questão dos impostos - ficará para outra altura. Vou antes centrar-me nos serviços prestados pelo Estado e respetivo custo.
É vulgar ouvir-se dizer que "o Estado não me dá nada" ou, para os menos radicais, que "o Estado dá-nos muito pouco". Claro que virá sempre algum ministro ou secretário de Estado despejar esclarecimentos sob a forma de milhares de milhões de euros cuja utilidade informativa é praticamente nula, pois caímos na questão da incapacidade de entendimento.
Por isso, a perspetiva micro é melhor. Será que os pais com uma filha ou um filho a estudar numa escola pública têm a noção dos milhares de euros que são anualmente gastos - deveria dizer, investidos - com esse seu descendente? Isto, apesar de nada pagarem. Será que um utente de um serviço de urgência hospitalar, depois de ter mais uma vez dito mal do Estado por este lhe ter eventualmente cobrado uma taxa moderadora, tem uma noção das centenas ou mesmo milhares de euros que os atos médicos de que acabou de beneficiar custaram?
Isto conduz-nos à terceira questão: a comunicação. É essencial que o cidadão contribuinte tenha consciência de quanto custa aquilo de que efetivamente beneficia do Estado. A vantagem é dupla: por um lado, talvez comece a dar mais valor ao que recebe; por outro, o Estado tornará mais transparente o custo dos seus serviços, prestando melhor as contas e potenciando a eficiência da utilização dos recursos públicos.
Este fenómeno não tem a ver com o partido que está no Governo nem tão-pouco se restringe a Portugal. Mas é essencial que todos os cidadãos entendam que o dinheiro não é fabricado pelo Estado. Verdadeiramente, o Estado não tem sequer a propriedade do dinheiro - apenas lhe é confiada a missão de administrar o dinheiro dos contribuintes. Vale a pena recordar esta máxima para que os cidadãos reclamem menos e o Estado sirva melhor.
Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School