A descida da dívida pública para um valor inferior a 100% do PIB, consequência de uma operação de transferência de títulos dívida do Estado para organismos do mesmo Estado, nomeadamente Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações, constitui um “truque” de magia a confundir a realidade. Apresenta-se uma melhoria do rácio sem que o valor global da dívida se altere, já que em termos consolidados se mantém exactamente igual. Não é o artifício estatístico de não considerar no perímetro de consolidação da dívida do Estado a que consta do balanço de algumas entidades públicas que altera a realidade de continuar a recair sobre os contribuintes a responsabilidade de pagar toda a dívida. O valor absoluto da dívida mantém-se tal qual, porque seria perfeitamente ignominioso que o Estado não cobrisse eventuais perdas dos valores investidos na sua dívida, nomeadamente pela Segurança Social e CGA. As responsabilidades do Estado não se alteram com rácios. A imagem da redução artificial da dívida é um logro para os cidadãos.
No fim, tratou-se de uma operação de marketing político para uso interno, ademais para fazer esquecer a responsabilidade dos Governos socialistas no aumento da dívida pública de 226 mil milhões para 296 mil milhões de euros no período de 2016 a 2023. Em 8 anos, a dívida cresceu 70 mil milhões de euros, equivalente a pouco menos que um terço de toda a dívida existente à data de Dezembro de 2015.
Poderia pensar-se que o recurso à dívida compensou a descida de impostos. Mas, pelo contrário, a receita fiscal subiu de 66 mil milhões para 98 mil milhões, mais 32 mil milhões de euros, traduzindo um acréscimo da carga fiscal computado em mais de 1% em relação a 2015.
Assim, para financiar a actividade do Estado, o Governo fez-se dispor de mais de 102 mil milhões de euros, um terço suportado pelos contribuintes e dois terços obtidos no mercado da dívida.
Neste quadro, não tendo diminuído a despesa pública nem aumentado o investimento,e sendo claro que a grande parte da redução da dívida se deveu a um período de alta inflação com efeitos no crescimento do PIB nominal, cabe perguntar qual a intervenção directa do governo e as medidas tomadas para a descida da dívida abaixo dos 100% do PIB. O feitiço do rácio não conta!
António Pinho Cardão, economista