O futuro abrasileirou-se

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Stefan Zweig, um dos mais famosos escritores mundiais dos anos 20 e 30 do século passado, escreveu "Brasil, País do Futuro", livro de 1941 que se tornou, de acordo com o jornalista brasileiro Alberto Dines, biógrafo do judeu-austríaco, "um epíteto nacional".

O epíteto ameaçou tornar-se realidade logo por aqueles anos, dada a esperança depositada no paradoxal Getúlio Vargas, conhecido tanto pelo anticomunismo primário como pela alcunha "pai dos pobres", por defender intransigentemente direitos laborais, que começou democrata e acabou ditador. Entretanto, o seu dramático suicídio, no exercício do cargo, em 1954, interrompeu o futuro previsto por Zweig, que, por uma fatal coincidência, se suicidara 12 anos antes de Vargas, um ano após o livro.

O "futuro" voltou a pairar com a chegada ao poder, dois anos depois, de Juscelino Kubitschek, cujo governo ficou marcado pelo slogan "cinquenta anos em cinco" e pela construção de Brasília, nova capital, como símbolo de um período ainda hoje chamado de "anos dourados". Mas, acusado de corrupção e comunismo, teve os seus direitos políticos suspensos a partir de 1964, quando um golpe de direita instituiu a ditadura militar e os "anos de chumbo", em vez dos de ouro. Zweig e o futuro do Brasil foram adiados por 21 anos.

Em 1985, a redemocratização parecia fazer o país cruzar caminho com a profecia de Zweig, apesar dos nefastos José Sarney e Collor de Mello. Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e o primeiro governo de Dilma Rousseff colocaram o Brasil no rumo do crescimento, do progresso, enfim, do futuro. O segundo governo dramático de Dilma, o bolor dos anos Temer e o terror que hoje se vive sob o inominável Bolsonaro, porém, acrescentaram de vez ao epíteto "Brasil, País do Futuro" cunhado pelo austríaco o adjetivo "adiado".

Entretanto, há boas e más notícias neste estranho 2021 pandémico (ou pós-pandémico).

Primeiro, as boas: segundo artigo, publicado na revista American Affairs, de Alex Hochuli, pesquisador norte-americano residente em São Paulo, o Brasil é, finalmente, o país do futuro.

Agora, as más: não foi o Brasil que se tornou futuro foi o futuro que se tornou Brasil.

Defende Hochuli, em texto sob o título "The Brazilianization of the World" [A Brasilianização do Mundo], que o aprofundamento irreconciliável do fosso entre ricos e pobres, a desagregação das instituições, o atendimento das necessidades apenas dos segmentos mais ricos da população e a falta de políticas de longo prazo passaram de características muito brasileiras a propriedades do mundo atual no seu todo.

O termo "brasilianização", conforme Hochuli recorda, citado por Ronaldo Lemos, colunista do jornal Folha de S. Paulo, já fora usado pelo filósofo inglês Mark Fisher, para quem "a periferia é onde o mundo se revela", pelo autor canadiano Douglas Coupland, em Geração X, ao descrever "o abismo crescente entre ricos e pobres", e pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, para se referir à substituição dos empregos formais pelos informais. E o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro também previra na década passada que o futuro se tornaria Brasil antes de o Brasil se tornar futuro.

Afinal, não era preciso ao Brasil avançar para chegar ao futuro, bastava esperar que o mundo regredisse e se abrasileirasse. Ainda que por linhas tortas, Zweig foi um visionário.

Jornalista, São Paulo

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