O "healthwashing", a ortorexia nervosa e a responsabilidade social das empresas

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O termo Ortorexia Nervosa foi pela primeira usado por um médico americano em 1997 por referência a "dieta extremamente pura" que conduz a um exagero ênfase nas escolhas alimentares. Trata-se de uma fixação de foro patológico por comida considerada pura e saudável, capaz de contribuir para a saúde e bem-estar. A literatura de foro médico considera a ortorexia ervosa como uma desordem obsessivo-compulsiva do foro alimentar e ainda que não faça ainda parte da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (ICD-11, de acordo com a Organização Mundial de Saúde), nem do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5, da Associação Americana de Psicologia), estima-se que um valor próximo de 1% dos estudantes universitários dos EUA sofram com ortorexia, na medida em que esta obsessão lhes causa dificuldades em lidar com a condição ou mesmo problemas médicos. Basicamente é um pensamento que ocupa a mente e se reflete nas atitudes e comportamentos do indivíduo durante uma boa parte do seu dia e que o leva a ter presente o que vai comer, os ingredientes que vai ingerir, como os confecionar e em que quantidades. A questão principal não é aqui o emagrecer, mas sim o desejar ingerir apenas alimentos saudáveis e permanecer fit.

Ainda que a anorexia nervosa seja a condição médica mais popular, a ortorexia começou a ficar conhecida com a evolução das redes sociais, designadamente do Instagram em que o uso de fotos é uma constante, assim como o apelo para uma imagem de perfeição, que funciona como modelo para muitas pessoas, sobretudo jovens. Neste sentido, é uma condição predominante em países desenvolvidos, onde a presença em redes sociais é uma realidade marcante e onde o rendimento disponível permite que opções eventualmente mais saudáveis de alimentação ditem o compasso das escolhas alimentares. Estas opções são, nestes contextos, mais diversificadas e acessíveis. É sobretudo nas situações de forte implantação do Instagram e de outras redes onde o culto da imagem mais de faz notar, que a condição se começou a fazer sentir. E da mesma forma que o apelo do lado das redes sociais tem contribuído para a propagação da ortorexia, também o abuso de algumas alegações em produtos alimentares, como o "light", "sugar free", "healthy", "zero", etc. têm a sua quota parte de responsabilidade.

O crescimento de conteúdos nas plataformas sociais das marcas e dos influecers tem efetivamente um efeito de indução ao consumo forte, não apenas nos consumidores ditos tradicionais, como, sobretudo, nos que passam por esta condição, sem muitas vezes o reconhecerem. O excessivo uso de alegações relacionadas com a saúde e o fitness é muitas vezes empolado por personal trainers, influenciadores de marcas de roupas de desporto e de ginásios, de suplementos alimentares e outros produtos considerados mais adequados a quem se preocupa com a imagem e busca ideais de perfeição para emular. A apresentação destes "modelos" numa versão idealizada e, até por vezes, exagerada pelo uso de filtros nas fotos postadas, reforça e estende o ideal de beleza e forma física que segue como modelo internalizado pelo indivíduo. Este cede rapidamente à comparação física, alterando desta forma as suas atitudes e os seus comportamentos. Nestas pessoas, o comportamento de compra parece ser o de mais fácil adesão, requerendo "apenas" que o preço premium pelo produto com a alegação desejada, seja pago. Porém, uma eventual ausência dos resultados desejados pode levar à falta de satisfação com a aparência física, com as repercussões que já conhecemos, e que têm, de acordo com relatos médicos, mais propensão nalguns indivíduos do que noutros.

Assim, são também fatores de ordem pessoal, mas sobretudo os de ordem social, como a exposição aos media, e em concreto, aos social media, que podem e devem combater-se com exigências regulamentares mais apertadas no que diz respeito a benefícios concretos de alguns produtos e campanhas de comunicação. O uso destas alegações alimentares e de saúde deve, pois, ser acompanhado de evidências científicas, rigorosas, isentas e atempadas, sob pena de - tal como acontece com o ambiente (greenwashing) - o healthwashing acabar por descredibilizar toda a indústria associada à saúde e ao bem-estar. Cabe aos organismos reguladores legislarem neste sentido, mas case sobretudo às empresas zelarem para que a verdade científica e o rigor pautem a sua postura; sobretudo se pretendem permanecer no negócio para além do curto prazo.

Susana Costa e Silva, docente da Católica Porto Business School

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