O idiota inútil de Pessoa

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Há séculos que os inimigos da Espanha querem vê-la dividida, ou melhor, despedaçada. A propaganda inglesa criou a infame lenda negra contra Filipe II e tudo o que cheirasse à tradição iniciada pelos reis católicos. Essa lenda propagou-se de tal forma que se estendeu à integridade do ocidente católico; até se voltar contra o cristianismo em geral e, no século XX, dar um tiro no pé, atingindo o próprio colonialismo britânico. É o que acontece a quem tem telhados de vidro.

Entretanto, os telhados da ex-URSS eram de quartzo fundido. Mas, nem por isso a KGB deixou de interferir na política espanhola, durante a guerra fria, tentando destabilizar o país o quanto pôde. Hoje, a Rússia de Putin faz o mesmo. No contexto da Declaração da Independência da Catalunha, em outubro de 2017, Puigdemont manteve uma linha aberta de contacto com agentes russos, por intermédio do empresário independentista, Víctor Terradellas.

Sobrevivendo desde os reis católicos, Isabel e Fernando, a nação espanhola só tem tido uma defesa possível, o reforço do pilar monárquico que a edificou. Já Fernando Pessoa sublinhava este facto. Não porque lhe interessasse a sobrevivência de Espanha, bem pelo contrário. Os escritos pessoanos sobre a Ibéria rejeitam a ideia de que os povos ibéricos sejam latinos. Os verdadeiros representantes da herança romana seriam a França, que racionalizou a Europa à luz do antigo império, e a Itália, que restabeleceu a criatividade da arte clássica. Nós, ibéricos, não. Seríamos outra coisa. Concretamente, a peculiar mistura ibero-romano-árabe. Assim, jamais reproduzimos a civilização imperial clássica, nem nos redefinimos por qualquer antítese relativa à mesma (como teria sido o caso da Inglaterra). Enquanto as demais nações europeias de relevo se caracterizariam pelo seu elemento analítico - favorecendo ou contrariando a ideia de Roma - nós caracterizar-nos-íamos pela capacidade de síntese. Ou seja, seriamos os únicos povos europeus capazes de sintetizar o passado romano e as diferentes civilizações nele fundadas, bem como a memória pré-romana e a árabe. E como cereja no topo do bolo, teria sido esse o conjunto de sínteses civilizacionais com o qual evangelizámos o mundo.

Aliciante, não? Quem, entre nós, poderia opor-se a uma tão grandiosa Ibéria, unida pelo seu passado glorioso e insondáveis desígnios futuros?

Os espanhóis, claro. Quem mais haveria de ser? Como bom intelectual da primeira metade do século XX, Fernando Pessoa refletiu sobre o caráter dos povos e a suposta necessidade de estes formarem agregações supranacionais; tais como o mundialismo anglo-saxónico de Wells e o pan-europeísmo multiétnico de Kalergi. É neste contexto que se entende a sua Ibéria, enquanto projeto imperialista alternativo aos dominantes. Todavia, por mais alternativo que fosse, partilhava do mesmo ódio de estimação: a Espanha católica. Pessoa vê nela a importadora de um catolicismo antinatural à nossa península, o qual apenas tem servido de instrumento de subjugação das nações portuguesa e catalã, por parte dos reis católicos e seus descendentes.

Nas palavras do próprio: "Para uma união ibérica de qualquer espécie, seja essa espécie qual for, três coisas são essenciais, e sem elas nada se poderá fazer, e antes de elas se fazerem é inútil pensar sem receio nosso em qualquer aproximação. Essas três coisas são: 1.º a abolição da monarquia em Espanha, 2.º a separação final da península nas suas três nacionalidades essenciais - a Catalunha, Castela e as províncias que conseguiu submergir na sua personalidade, e o estado galaico-português. (3.º) É absolutamente impensável a solução do problema ibérico sem ser por uma federação" (nota: mais à frente irá favorecer a ideia de confederação ao invés da mera federação).

Atacada desde Filipe II, a Espanha tem garantido a sua existência graças à monarquia. Com a queda do franquismo, esta voltou fragilizada, já submissa aos projetos globais dominantes, e talvez hoje se mantenha por um fio. A isto se junta a sucessão de governos socialistas que, por simpatia ideológica esquerdista, tendem a ser condescendentes com os independentistas. Aznar tentou parar este processo, mas caiu ao tentar rentabilizar politicamente o 11-M, atribuindo-o à ETA, quando na realidade fora perpetrado pela Al Qaeda. Intercalados pela farsa Rajoy, os governos PSOE têm monopolizado o poder. Agora, com Pedro Sánchez, a dita condescendência tem-se convertido em cumplicidade.

Disposto a tudo, Sánchez negoceia com terroristas, promete amnistias a troco de votos parlamentares e faz geringonças com qualquer melro disposto a ver Castela destruída. Alguns dirão que é um idiota útil do globalismo vigente. Mas, há muito que esse meteu a Espanha no bolso, já não precisa de a odiar. Outros dirão que a utilidade do mesmo serve os interesses da Rússia. A ver pelas referidas ligações dos independentistas e a narrativa esquerdista dos seus comparsas - incluindo a do ex-vice-presidente do Governo, Pablo Iglésias - é o que aparenta.

Já eu, que sou português e não vislumbro qualquer utilidade em Sánchez, prefiro ver nele o idiota inútil de Pessoa. Quando Espanha acabar, avisem-me. Não quero perder a fundação do estado Galaico-Português, seja lá o que isso for. E por que não, a devolução de Olivença... Olivença é nossa, pá!

Economista e investidor

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