Em tempos, foi criado um grupo para estimar os prejuízos, para os comerciantes, decorrentes de umas obras públicas que se eternizavam. Nas entrevistas, as perdas estimadas andavam à volta dos 50% das vendas. Para calcular as eventuais indemnizações foi preciso, como é óbvio, objetivar valores. Solicitadas as declarações fiscais, e após alguma resistência, as mesmas foram entregues e… praticamente ninguém pagava (ou tinha pagado) imposto; os resultados operacionais eram, em regra, baixíssimos, quando não negativos; o volume de vendas irrisório. As indemnizações, quando havia lugar a elas, eram, por norma, insignificantes. Resultado? Revolta dos comerciantes (“sabe como é: não se pode declarar tudo!”) e estudo na gaveta..A economia paralela corresponde a cerca de um terço do PIB, mais de 80 mil milhões de euros. Nela cabem atividades criminosas, no sentido estrito da palavra, como o tráfico de droga, até outras com as quais convivemos todos os dias, do pequeno comércio aos serviços os mais variados não documentados, passando, ainda, por outras como a ocultação de rendimentos em paraísos fiscais..A acusação de que “a descida do IRC só beneficia as grandes empresas pois são as únicas que pagam impostos”, só sendo rigorosa a uns 50%, é sinal de uma mentalidade mesquinha e hipócrita que convive bem com a pequena fuga ao fisco e com a manutenção de um sistema de benefícios fiscais (121, em 2019, não havendo sinal de que tenham diminuído) que permite todo o tipo de esquemas e planeamentos fiscais. Que tal simplificar o regime de IRC, eliminando grande parte dos benefícios fiscais, por contrapartida da descida da taxa nominal, aproximando-a da efetiva? E pensar em medidas para combater a economia paralela? E fazê-lo no âmbito de um acordo político que desse estabilidade a essas medidas, sem o que pouca utilidade terão..Voltemos à velha anedota da pessoa que, confrontada com um ladrão que clama “a carteira ou a vida?”, responde “o dinheiro faz-me tanta falta!”. O IRC faz-nos tanta falta! Já dizia o poeta “navegar é preciso/viver não é preciso”..Economista e professor universitário