"O mesmo carro vale 20% mais do que há um ano"

Roberto Gaspar, secretário-geral da ANECRA, diz que preço dos usados está a subir por falta de veículos novos para entrega. Pela primeira vez, há apreciação dos usados.
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A crise dos chips e de outras matérias-primas indispensáveis à produção automóvel (plásticos, aço, têxteis) tem afetado seriamente o mercado de carros novos, criando uma inversão histórica: agora não faltam clientes mas modelos para entrega. Uma situação que está a mexer também com os usados, não apenas com o alargamento dos contratos de renting das gestoras, mas também com o aumento do preço de venda. Segundo Roberto Gaspar, secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA), pela primeira vez, os veículos usados estão a "apreciar" ao fim de um ano e não a "depreciar", como era a lógica habitual do mercado.

O responsável pela associação com 3500 empresas associadas não esconde que a crise dos componentes e a escassez no fornecimento de veículos novos está a afetar o comércio de usados em Portugal, mas garante que o setor está a adaptar-se à nova realidade. "Numa primeira fase, quem precisava de carro, acabava por optar pelos usados, nomeadamente com idade até três anos. O mercado de usados beneficiou desse efeito. Mas, depois, a escassez de carros também acabou por cair-lhe em cima. Com a falta de carros novos, as próprias gestoras de frotas, em vez de libertarem os carros, prolongaram os contratos; as rent-a-car passaram a utilizar os carros por períodos maiores. Criou-se um efeito de escassez que levou, inclusive, a aumentar, de forma substancial a importação de carros usados", revela. "Nos primeiros quatro meses do ano, o número de carros usados importados é quase 50% do verificado em todo o ano de 2021. Houve necessidade de ir buscar carros, ou não haveria capacidade de renovar stock", explica.

Roberto Gaspar diz que "o mercado de usados caiu cerca de 7% no primeiro semestre - apesar de os números não serem rigorosos - mas as margens são substancialmente maiores, porque a procura é muito grande. Apesar de estarem a vender menos por dificuldades em renovar o stock, tem compensado. Para esta queda contribuíram fatores como: as perspetivas de subida das taxas de juro, mas também a elasticidade do preço. Os carros estão a transformar-se e a ficar muito caros e isso acalma a procura".

E salienta: "O comum era os carros depreciarem, num ano, 10% a 15%. Mas, em média, estão a apreciar 20%. Repare: o mesmo carro vale 20% mais do que no ano passado. Isso cria acalmia na procura. É algo absolutamente invulgar no modelo que conhecemos", diz o secretário-geral da ANECRA.

Atualmente, 45% dos consumidores de elétricos opta por usados e 6% do parque automóvel nacional é já eletrificado. Ainda assim, estes modelos isentos de emissões não são consensuais. Porquê? "Primeiro, a generalidade das pessoas não tem capacidade para ter um carro elétrico. Não tem garagem em casa nem no escritório e os postos públicos não chegam para dar resposta. Depois, os elétricos hoje estão assentes na parte empresarial. Ainda são muito caros, embora comecem a aparecer modelos mais acessíveis. Uma grande parte destina-se ao mercado empresarial por via dos incentivos fiscais, quer na dedução do IVA quer pelo efeito da não tributação autónoma. Isso tem um efeito substancial no caso das empresas", diz a mesma fonte.

Mas há ainda uma questão de fundo. "Se pensarmos, por absurdo, que a partir do próximo ano - é impossível - 100% dos carros vendidos em Portugal serão elétricos, daqui a 10 anos, ainda só 30% do parque automóvel português seria elétrico. Num parque com 6,5 milhões de carros. É muito tempo. Logicamente que isso seria uma situação de absurdo, portanto, até os carros elétricos atingirem uma quota significativa do nosso parque circulante vai levar alguns anos", reforça Roberto Gaspar.

O secretário-geral da ANECRA faz ainda uma leitura bastante negativa da entrada em vigor, a 1 de janeiro, do decreto-lei no.84/2021, nomeadamente no ponto em que estende de dois para três anos o prazo das garantias. "No fundo, é a transposição de uma diretiva europeia. Deu espaço aos países comunitários para ajustarem alguns aspetos, obviamente dentro de balizas. Portugal - só com a Irlanda - foi mais longe do que qualquer outro. Tivemos o cuidado de fazer uma análise comparativa e a generalidade dos países europeus passou as garantias para 24 meses, permitindo nos usados, desde que haja acordo entre partes, a redução para 12 meses. Portugal passou a ter garantias de 36 meses e permite a redução para 18. A lei das garantias não está pensada especificamente, no caso legal português, para o setor automóvel. É genérica. Acredito que para telemóveis sirva, mas não para automóveis", lamenta. "Outros países, excluíram desta lei carros com idade igual ou superior a oito anos. Porque é completamente impossível dar determinado tipo de garantias em carros com oito anos e 200 ou 300 mil quilómetros. Ninguém de bom senso pode pensar nisso. Das duas uma: ou os operadores que comercializam esses carros os vendem com a garantia e quando tiverem um problema terão, eles próprios, uma situação grave para resolver; ou vendem-nos fora do sistema. Esta lei está cheia de questões completamente desajustadas ao que é a realidade do mercado, em particular dos usados", afirma.

O responsável aponta outro "disparate" na elaboração da nova lei das garantias. "Por cada reparação feita num carro, a entidade vendedora terá de renovar a garantia por mais seis meses, até ao máximo de quatro vezes. É um absurdo", defende Roberto Gaspar, que já apresentou à secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques, um memorando a expor a situação "específica" do setor automóvel, na expectativa de que uma adenda acabe com a "injustiça", "instabilidade e contestação da parte dos operadores".

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