A existência de relações comerciais de grande significância entre empresas portuguesas, russas e/ou ucranianas é, de facto, uma realidade em diversos sectores. Consequentemente, não é incomum, nesses meios, a realização das denominadas viagens de trabalho.
Sucede que, em consequência do actual estado de guerra, a realização de viagens de trabalho com destino à Ucrânia ou Rússia, as quais já se encontram bastante restringidas em virtude das limitações em vigor, representa um especial risco para todos os envolvidos, seja por se tratar de zonas com conflito activo, seja pelo perigo de ataque, ou ainda por estarem em vigor especiais restrições de natureza diversa.
O nosso Código do Trabalho dispõe que o trabalhador é obrigado à realização das deslocações inerentes às suas funções, ou indispensáveis à sua formação profissional.
Assim, dito de modo geral, o trabalhador está vinculado a realizar as deslocações necessárias ao exercício das suas funções.
Mas será isto dizer que o trabalhador está obrigado a realizar este tipo de viagens quando a sua segurança seja colocada em risco? Entendemos que não.
De facto, o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e saúde.
Cabe ao empregador a obrigação de assegurar que a prestação de trabalho respeita tais condições, sendo esta uma imposição/obrigação transversal à relação laboral, naturalmente aplicável à situação a que vimos aludindo.
Ora, se o empregador ordenar, a despeito de preocupações com a segurança e saúde do trabalhador, uma viagem a território afectado pela guerra e onde haja perigo real e iminente para a segurança, saúde e/ou vida do trabalhador, entendemos que este poderá legitimamente recusar o cumprimento da ordem da entidade empregadora.
Alertamos, porém, que a recusa deverá ser uma "decisão limite", sendo exercida somente quando não se logre um entendimento entre as partes relativamente à realização e condições da viagem, e ocorrer apenas quando justificada por preocupações sérias e fundadas em factos tangíveis e facilmente comprováveis.
Destarte, não logrando trabalhador e entidade empregadora obter consenso no que respeita à realização de viagem para zona de conflito armado e/ou de perigo iminente comprovados, é razoável defender-se que o trabalhador poderá declinar viajar.
Miguel Cunha Machado, advogado da Cerejeira Namora Marinho Falcão
Linha de contacto SOS Ucrânia (de apoio gratuito) está disponibilizada através do canal dedicado de email: ukraine@sociedadeadvogados.eu