O motor da recuperação económica

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Dá pelo nome de Plano de Recuperação e Resiliência e esteve 15 dias acessível para consulta pública. Duas semanas para analisar um instrumento absolutamente estratégico, que o governo português terá à disposição, para distribuir a impressionante verba de 16 mil milhões de euros e que condicionará a próxima década da economia nacional. Uma enormidade de dinheiro oriundo de Bruxelas, que deveria ter como alvo o relançamento da economia, torná-la florescente e sustentável, e o reforço da competitividade do tecido empresarial português.

O plano, apresentado pelo Governo, assenta essencialmente a sua narrativa nos objetivos das transições climática e digital e da configuração de uma economia mais sólida e resiliente. Desígnios importantes e absolutamente consensualizados em torno das exigências do clima e da evolução digital, que de resto conheceu um avanço significativo em virtude das muitas restrições impostas pela pandemia.

Acontece que o documento enferma de uma contradição estrutural entre a forma e o seu conteúdo: ao mesmo tempo que é referido que a recuperação económica deve passar pela aposta forte na recuperação das empresas do setor privado, 75% das verbas ali previstas são dirigidas a investimento público em serviços, equipamentos e infraestruturas públicas.

O Plano denomina-se Plano de Recuperação e Resiliência, mas a dimensão de recuperação do setor empresarial privado - recuperação da devastação económica imposta pela crise - parece não existir ou foi remetida para um plano absolutamente secundário.

Com certeza que o reforço da capacidade do SNS, o investimento na qualificação dos portugueses ou a digitalização dos tribunais com impacto na diminuição da morosidade dos processos, têm efeitos positivos na economia. No plano teórico não haverá alguém que discorde do sentido destas propostas, mas isso não muda a matriz do PRR: reforço do papel do Estado na economia, respostas essencialmente direcionadas ao setor público e relativamente pouca relevância atribuída às empresas, em particular às de setores profundamente afetados pela crise, como as do turismo, da restauração, dos eventos e da cultura.

Ademais o documento não permite aprofundar o impacto económico dos investimentos previstos, uma vez que não é dado a conhecer o quadro macroeconómico que possibilite a análise custo-beneficio das opções ali vertidas. Sem isso, estamos essencialmente diante de um quadro genérico de boas intenções mas de muito difícil avaliação e replicabilidade.

É, por isso, fundamental corrigir o sinal que emana do PRR e recolocar as empresas no centro do esforço de recuperação económica que o País terá rapidamente de encetar. Para isso, é essencial que os recursos que vierem a ser libertados pela "bazuca europeia", sejam dirigidos à capitalização das empresas, sobretudo através de soluções de natureza financeira e fiscal. O desafio que está, por isso, colocado ao governo português, autor do plano, é muito claro: devolver a centralidade e reforçar a importância das empresas portuguesas, e dos seus trabalhadores, no exigente trajeto de recuperação económica e social que o País terá de percorrer nos próximos anos.

Ricardo Gonçalves Cerqueira, Gestor

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