Há umas semanas, publiquei aqui a historieta de uma contrarrevolução libertária, passada num futuro tresloucado, intitulada República Independente de Alvor. Ora, não é que, dois dias depois, 30% dos argentinos resolvem levá-la a sério?
Votar em Milei é, aparentemente, declarar secessão ao resto do mundo. Estas são algumas das suas propostas: Redução drástica da despesa pública com um impacto de 15% do PIB; redução de 90% dos impostos; substituição do subsídio de desemprego por um regime de seguro; eliminação do Banco Central; favorecer a dolarização da economia através de um sistema de livre concorrência monetária.
É o fim do mundo em cuecas. O Financial Times fala no "Terramoto-Milei". O FMI ameaça com o bloqueio dos "desembolsos acordados" - no fundo, prepara-se para tomar medidas intervencionistas, ao ponto de sabotar o país e levá-lo à falência, para depois atribuir as culpas da mesma a quem se opõe ao intervencionismo. Por todo o lado se rosnam os chavões de sempre. É o populismo, é a extrema-direita, é o Bolsonaro argentino, dizem; enquanto López Obrador inaugura o bar aberto dos insultos ad hitlerum. Por cá, Louçã volta à lengalenga do neoliberalismo e dos Chicago Boys de Pinochet, tentando colar a Escola Austríaca à caricatura que dela fizeram certos regimes impostos pela CIA. Para os avós dos tiktokers, este nível de análise chega bem, até é intelectual demais.
Haverá motivos para tanto chinfrim? Como adepto do livre-mercado, simpatizo com os libertários. Mas, não sou um libertário de gema. E Melei, até que ponto o será? Durante a pandemia, fez apelos à obediência em massa e, até à data, o seu perfil consta do Fórum Económico Mundial. Está no seu direito, nada a obstar. Todavia, fica a dúvida: Que libertário defende a concentração do poder global e soluções universais para a humanidade? Tudo isto me faz lembrar aquela cena do Rei Leão, em que umas hienas dizem "Mufasa" para amedrontar as outras. Pois, embora o medo tenha um fundo real, este acaba por transformar-se em brincadeira. Uma diz o nome, a outra assusta-se, e repetem o número até se rebolarem a rir. Cada qual assume o seu papel naquela farsa. Talvez o mesmo lá aconteça para os lados de Buenos Aires.
João AB da Silva, economista e investidor