O mundo ao contrário. Austrália escapa à recessão há 25 anos

Na terra dos cangurus, a economia vai de vento em popa. Mas será sustentável?
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É preciso recuar até ao início de 1991 para encontrar a economia australiana a recuar em dois trimestres consecutivos. Os últimos números revelados pelo Instituto de Estatística da Austrália voltam a mostrar um país em expansão.

Entre abril e junho deste ano, o PIB da Austrália cresceu 0,5%, e na comparação anual, o crescimento foi de 3,3%, o mais acelerado dos últimos quatro anos. No primeiro trimestre do ano, o país cresceu 1%.

O segredo da economia australiana reside há anos na exploração dos recursos naturais e na venda das matérias-primas aos países asiáticos, em especial à China, o grande parceiro económico da Austrália. Não é por isso de espantar que o desempenho estável da economia australiana tenha coincidido com a ascensão meteórica da China ao longo da última década.

Nos últimos anos, porém, o tombo do preço das matérias-primas, incluindo as do setor mineiro, nas quais a Austrália é particularmente rica, vieram obrigar a uma mudança de estratégia por parte dos governos australianos, no sentido de não perderem o comboio do crescimento.

Assim, nos últimos anos, a economia do país do hemisfério sul tem dependido do setor da construção e do consumo privado para continuar a crescer.

No entanto, tal como no resto do mundo, o Banco da Austrália tem desempenhado um papel importante, no sentido de não deixar afundar a economia, ao cortar as taxas de juro para mínimos históricos, ainda que muito longe das taxas negativas praticadas na Europa ou no Japão.

A taxa de juro de referência está atualmente em 1,5%. A desvalorização do dólar australiano tornou o país mais competitivo e contribuiu para o aumento das exportações.

Além do banco central, também o Governo australiano tem atuado no sentido de impulsionar a economia. Os dados revelados esta quarta-feira mostram um aumento do consumo público de 1,9% no segundo trimestre, e uma subida do investimento público de 15,5%, o que ajuda a explicar em parte o comportamento da economia no trimestre terminado em junho.

Os gastos com infraestruturas são “um fator essencial no nosso plano para aumentar o crescimento e criar empregos”, justificou hoje o ministro australiano do Tesouro, Scott Morrison.

Até porque o consumo privado na Austrália recuou em relação aos três meses anteriores. “O aumento do consumo passou de 0,8% para apenas 0,4%. É o menor aumento dos últimos três anos e sugere que a subida lenta dos salários está a começar a atingir a economia”, alerta Paul Dales, economista da Capital Economics, citado pela CNN.

Ou seja, se o Governo não tivesse aplicado este “incentivo orçamental secreto” através do investimento, explica o analista, a economia australiana já poderia ter começado a falhar. Porque apesar do crescimento estável e sólido, a inflação permanece demasiado baixa, em 1%.

E isso, alertam os analistas, abre caminho para mais um corte das taxas de juro na próxima reunião do Banco da Austrália, em novembro, para um novo mínimo histórico de 1,25%.

À espera do salto do emprego

A criação de emprego é uma das preocupações dos analistas em relação à Austrália. A taxa de desemprego no país é de 5,7%, um recuo significativo face aos 6,3% registados no período homólogo. Mas 87% dos empregos criados são em part-time, graças ao crescimento do setor dos serviços e do turismo.

"Precisamos que o crescimento se baseie mais nos setores de mão-de-obra intensiva para que a força de trabalho seja absorvida. Caso contrário, a inflação vai continuar a desiludir e o Banco da Austrália vai ser novamente forçado a cortar as taxas de juro", alerta James McIntyre, economista do Macquarie Bank, em declarações à Bloomberg.

Alguns economistas começam a questionar a sustentabilidade do crescimento ininterrupto do país. A Austrália é hoje o quinto país do mundo onde é mais caro comprar casa. A subida do preço da habitação fez com que os australianos estejam hoje mais endividados do que nunca. O nível da dívida privada na Austrália é de 210% do PIB.

Uma situação que se foi acumulando ao mesmo ritmo que a inflação e as taxas de juro foram caindo. Segundo alguns economistas, chegará o dia, como noutras partes do mundo, em que a dívida vai começar a pesar nos ombros, e nos bolsos, da Austrália.

Ainda assim, para já o país parece continuar no fim da lista das preocupações dos analistas para os próximos anos. A não ser que o mercado imobiliário ou a economia chinesa colapsem, “é muito pouco provável que haja uma recessão na Austrália nos próximo anos”, garante Paul Dales.

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