O mundo novo há muito anunciado

Publicado a

Já lá vai quase uma década desde que o Fórum Económico Mundial alertou para o impacto da velocidade a que se produzem alterações por via da digitalização ser tão admirável quanto assustador: estimava-se a perda de cinco milhões de empregos no prazo de cinco anos, segundo estudos então citados. E o McKinsey Global Institute previa que em 2020 faltariam no mercado global cerca 40 milhões de trabalhadores altamente qualificados e que 95 milhões teriam baixas qualificações.

Chegados a 2022, depois de uma pandemia que teima em persistir e que coexiste com uma guerra às portas da Europa, "não há pessoas para trabalhar" é uma das citações mais ouvidas e transversal a todas as indústrias e serviços. Do setor da construção a indústrias como a do calçado e do mobiliário, passando pelo turismo e, claro, o setor da tecnologia e do digital, o recrutamento é hoje uma tarefa difícil para muitas empresas.

Onde estão as pessoas? Desapareceram? Para onde foram? - foram as perguntas, aparentemente ingénuas, que me fizeram há uns dias. Mas a pergunta é pertinente até porque os alertas do que iria acontecer foram lançados há pelo menos uma década, como referi no início.

Fizeram-se esforços para qualificar os milhões sem qualificações que se previa virem a emergir? Deu-se atenção à senioridade, para onde se começa agora a olhar ainda que de maneira incipiente? Com que lentes se olhou para os jovens licenciados que, no nosso país, enchem call centres e caixas de supermercado, acredito que não por muito mais tempo, uma vez que a robótica se encarregará dessas tarefas, desumanas convenhamos.

A época em que quem contratava tinha o controlo total do processo terminou. Hoje, a mão de obra, seja mais ou menos qualificada tem uma palavra a dizer. Uns querem estabilidade, outros nem tanto, como refere o estudo conduzido pelo ISCTE sobre "O impacto social e laboral das plataformas digitais nas entregas em Portugal". Uma das conclusões deste estudo mostra que 87% dos trabalhadores tem preferência por um regime de trabalho como freelancer, mas 66% quer mais benefícios e proteção social.

Só 13% quer ser contratado por uma única empresa com salário e horários fixos e benefícios sociais. Que retrato é este? Na minha opinião é revelador da precariedade no trabalho, uma vez que 52% tem outro emprego e ao mesmo tempo 49% valoriza a flexibilidade. A flexibilidade que tem sido exigida pelos diferenciados com qualificações, os privilegiados do trabalho híbrido, torna-se agora uma exigência vinda de diferentes níveis funcionais. Para os altamente qualificados é a maneira de equilibrarem a vida profissional com a familiar, no caso dos 52% referidos no estudo, é a oportunidade de poder alcançar um melhor rendimento.

Entretanto, empresários e colaboradores veem com preocupação a intenção, por parte do Governo, de regular a atividade - que pode ditar a dificuldade em contratar e provocar uma baixa de rendimentos para os colaboradores. É um sistema perverso.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt