O mundo todo num Planalto

A crise económica mundial de 2008 não trouxe nada de muito novo na área da ciência política a não ser, talvez, ter acentuado as tradicionais diferenças entre direita e esquerda.
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Uns defendem que a austeridade, que atingiu sem tréguas o sul da Europa, não deve ser encarada como um remédio passageiro - acham que deve ser uma dieta permanente porque só através dela, e da sua prima, a poupança, os países e as pessoas se garantem contra crises futuras.

Outros dizem que não, que é hora de tirar o pé do travão do investimento público e devolver regalias e conquistas sociais à classe média, a mais prejudicada por uma crise da qual foi vítima e não culpada.

Outros, num dos extremos, consideram que, mesmo que a origem da crise tenha estado no descontrolado sistema financeiro norte-americano, foi o excesso de Estado que empurrou os países sul-europeus para a depressão, pelo que a conclusão de 2008 é menos governo e mais iniciativa privada.

E alguns, que preferem ler Picketty a reler Fukuyama, vêem na crise de 2008 e nos sinais de desigualdade crescente no mundo um sinal do fim da história do capitalismo. São talvez os mais inovadores do atual panorama e traduzem-se em forças aparentemente novas como o Syriza grego, o Podemos espanhol e outras.

No Brasil, como o impacto da crise mundial passou ao lado - em 2008 e nos anos seguintes o país cresceu com relativa firmeza - a ressaca dos excessos da primeira década do século XXI, surgem agora. E, como tal, aquelas divisões, entre os um pouco à direita e os um pouco à esquerda e os muito à direita e os muito à esquerda, começam a ganhar nitidez.

Há alunos da ultraliberal escola de Chicago que defendem aperto orçamental rígido. Outra corrente diz-se favorável a uma política mais desenvolvimentista, com o estado a liderar o processo, e suavidade nos cortes. Há quem exija diminuição de impostos, o menor Estado possível e apoio à indústria. E há movimentações fortes dos sindicatos em prol dos direitos laborais e até ações de grupos sociais, como o MST, o Movimento dos Sem Terra, com o discurso da reforma agrária na ponta da língua.

Tendo em conta que essas correntes também existem no resto do mundo, podemos dizer que não se passa nada de extraordinário no Brasil. No entanto, como todo o mundo já sabe ou deveria saber, o Brasil é um país extraordinário.

O extraordinário neste caso é que todas aquelas correntes, algumas rigorosamente opostas entre si, como se viu, estão dentro do governo.

Joaquim Levy, o ministro das finanças independente escolhido por Dilma Rousseff, estudou em Chicago. Na campanha eleitoral esteve muito mais próximo de Aécio Neves, do oposicionista PSDB, do que do PT e agora luta noite e dia para convencer os colegas de executivo e o Congresso a apertar sem contemplações o cinto.

O seu ministro mais próximo, Nelson Barbosa, do planeamento, é economista mas também político. E do PT. É da ala desenvolvimentista do governo, o que tem causado atritos públicos com Levy, na dosagem dos cortes.

No "catch-all party" (partido pega-tudo, na versão no português local) que é o PMDB, principal aliado do PT, cabe toda a gente, a maioria meros oportunistas, mas também sociais-democratas, esquerdistas, conservadores, populistas e líderes empresariais neoliberais, como Paulo Skaf, patrão dos industriais de São Paulo e defensor obstinado de menos estado e mais iniciativa privada. Skaf é a versão radicalizada de Levy.

A versão radicalizada de Barbosa é a ala tradicional do PT, um partido, não esqueçamos, fundado à sombra dos sindicatos e que no seu recente congresso discutiu oito moções, das quais sete contrárias ao ajuste orçamental defendido pelo governo liderado pelo seu partido. Lula da Silva, o eterno sindicalista, já até chamou o Movimento dos Sem Terra para a batalha - "serão o nosso exército" - das presidenciais de 2018 às quais não esconde querer concorrer com a velha esquerda inteira do seu lado.

Administrar esta Torre de Babel política não é fácil para Dilma Rousseff.

Mas a circunstância da oposição, o PSDB de Aécio, que vota no Congresso contra os seus ideais de sempre num dia e a favor de causas que jamais defendeu no outro, só para contrariar o PT, é ainda mais difícil: como no governo cabem todas as ideias do planeta, nas suas nuances e nas suas contradições, Aécio vê-se a lutar sozinho contra o mundo. E por isso contra si próprio.

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