A inflação é um imposto oculto porque, sendo cobrado sem necessidade de legislação que o autorize e formalize, não é explicitamente percecionado. Porém, é efetivamente um imposto. Um imposto tão real como qualquer um dos já existentes, que proporciona a qualquer governo a capacidade de beneficiar dos nossos recursos sem necessidade de permissão. Por razões óbvias, esta capacidade não é desejável nas mãos de um governo socialmente insensível e orientado exclusivamente pela motivação para conservar o poder.
Para 2022 foi-nos vendida a ideia de que a taxa de inflação anual seria de 1,8%, mas sabe-se, agora, que a taxa de inflação anual será superior a 7%. No entanto, por simplificação, vamos supor que a taxa de inflação será de apenas 7% e que há apenas duas vias para "desviar" dinheiro dos bolsos das famílias e empresas para os bolsos do governo. Uma das vias consideradas passa por aceder a rendimentos que as famílias e as empresas afetam ao consumo (ou a despesas) e a outra passa por aceder a parte do valor das nossas poupanças.
Definindo, então, o "imposto oculto inflação" como correspondendo à quantidade de riqueza familiar e empresarial que é transferida para o governo como resultado da inflação, pretende-se mostrar que o imposto gerado por essas duas vias não é uma questão menor; é, na verdade, um imposto cujo valor é gigantesco.
Sendo o foco da crónica o "imposto oculto inflação", omitem-se outros efeitos da inflação como, por exemplo, o seu impacto na perda de poder de compra dos fluxos de rendimento obtidos e nos custos com empréstimos face ao aumento das taxas de juro para combater o fenómeno.
Como, por via da inflação, acede o governo, sem autorização, a rendimentos que afetamos ao consumo (ou a despesas)?
Vejamos o seguinte exemplo. Considere-se que, antes da cobrança do imposto, em 2021, uma família apresentava um nível de despesa média mensal de 1000 euros sobre a qual incidia uma taxa de IVA de 23%; ou seja, uma despesa anual de 12 000 euros. Com a taxa de inflação prevista, em 2022, gastará mensalmente 1070 euros e anualmente 12 840 euros para comprar exatamente os mesmos bens e serviços; ou seja, mais 840 euros. Em 2021, o imposto suportado mensalmente foi de 230 euros; ou seja, 2760 euros anuais. Infelizmente, em 2022, passará a suportar 246,1 euros mensais; ou seja, 2953,2 euros anuais. Sem que se percecione, se a taxa de inflação for de 7%, a taxa de IVA efetiva aumenta, portanto, para 24,61%.
De acordo com dados do Ministério das Finanças, a receita de IVA de 2021 terá rondado os 17 mil milhões de euros, pelo que, com tudo mais constante (ignorando, em particular, o adicional de imposto por atividade económica suplementar), só por si a taxa de inflação de 7% permitirá que, em 2022, o governo arrecade mais 1,19 mil milhões de euros em IVA.
Infelizmente, há outros efeitos da inflação contra as famílias e as empresas e a favor do governo devido ao uso de rendimento para consumo (ou despesas).
À semelhança do IVA, a inflação também permitirá que o governo arrecade mais receita com, por exemplo, o imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes, e com o imposto sobre o consumo de tabaco. A este nível, com tudo mais constante, a inflação deverá permitir um adicional de receita de cerca de 115 milhões de euros com esses dois impostos.
Dada a dimensão da crónica abstenho-me de referir outras arrecadações de receita motivadas pelo rendimento das famílias e empresas. Deixo apenas mais um efeito. Considere-se uma família que teve um ganho de capital em 2022. Suponha-se que comprou 1000 euros de ações, em 2021, e as vendeu por 2000 euros no final de 2022. Neste caso, o governo tratará a valorização como um rendimento de ganhos de capital de 1000 euros sobre os quais incide imposto. Em termos reais, por causa da inflação, o ganho é muito inferior a 1000.
E como, por via da inflação, acede o governo, sem autorização, a parte do valor das nossas poupanças?
Em termos simples, suponha que adquiriu 1000 euros de títulos ao Estado a uma taxa de juro de 1,8%, a taxa que lhe disseram vir a ser a da inflação para 2022. Contudo, com uma taxa de inflação anual de 7%, o valor real dos títulos cairá 5,2%, enquanto o governo beneficiará com a queda do valor real da dívida: a inflação provoca, pois, uma redistribuição da riqueza do aforrador (o detentor dos títulos) para os mutuantes (o governo).
Em particular, estima-se que, direta ou indiretamente, os portugueses detenham cerca de 80 mil milhões de euros em títulos do Estado não protegidos contra a inflação. Utilizando 1% como aproximação à taxa de juro média desses títulos, a "transferência" de riqueza para o governo gerada por uma taxa de inflação de 7% é de 6% vezes o valor da dívida pública em poupanças, ou cerca de 4,8 mil milhões de euros.
A inflação diminui, pois, o valor real de todas as poupanças quando as taxas de juro a que são remuneradas são inferiores à taxa de inflação. E a diminuição do valor real de uma parte significativa das poupanças beneficia o governo. Por isso, este é um momento particularmente difícil para quem se sacrifica a aforrar.
Assim, considerando exclusivamente o efeito da inflação no rendimento despendido em consumo (ou despesa) e no valor das poupanças, o governo acaba por "beneficiar" de um montante que, com tudo mais constante, deverá ultrapassar os 6,1 mil milhões de euros. Muito dinheiro à custa de um imposto oculto que é o mais cruel de todos porque prejudica mais os mais pobres. De facto, estes tendem a depender de rendimentos determinados pelo Estado que não estão indexados à inflação. De entre os pobres, os idosos são seguramente os mais penalizados porque as pensões não estão indexadas e, consequentemente, a inflação reduzirá diretamente os seus rendimentos reais. À medida que a riqueza aumenta, as famílias e as empresas acedem a instrumentos financeiros que asseguram proteção contra os efeitos da inflação.
Em suma, no contexto de um governo com reais preocupações sociais seria de esperar a devolução do valor - ou pelo menos de grande parte do valor - do "imposto oculto inflação" a quem dele ficou privado.
Óscar Afonso, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e sócio fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF)