O fundo soberano negativo português é obviamente a dívida pública, que deve representar 122,8% do PIB, no final 2022, segundo a Proposta de Orçamento do Estado para 2022 (POE 2022). A comparação é tentadora: enquanto um fundo soberano (positivo) é uma reserva de riqueza que reforça a soberania, a dívida é um direito de terceiros à nossa riqueza futura. Ao invés de uma poupança acumulada, que permita amortecer as crises como a da pandemia ou assegurar a sustentabilidade da Segurança Social, estamos dependentes dos mercados financeiros e, no curto prazo, do Banco Central Europeu (BCE).
O nosso fundo soberano negativo é um monstro que se alimenta de défices. Desde 1995, dotámos este fundo com 177 mil milhões de euros (M€) de défices acumulados. A POE 2022 contribui com um défice de 7.134 M€ (em contabilidade nacional). Como o Estado não dispõe de poupanças, a diferença entre receitas e despesas tem de ser financiada por dívida. Sendo o orçamento cronicamente deficitário, nunca existe margem para reduzir a dívida. Os juros crescem, prevendo-se que representem 2,3% do PIB em 2022 (5.128 M€).
Nada obsta a que o Estado se endivide. Se a dívida financiar apenas projetos com valor atual líquido positivo, isto é, que retornem o capital investido acrescido de uma rendibilidade pelo menos equivalente à taxa de juro, será sempre possível reembolsar a dívida com juros. Se for possível manter uma taxa de crescimento do PIB igual à taxa de juro, poderá até refinanciar-se a dívida perpetuamente e manter um rácio constante da dívida sobre o PIB.
No caso português, de 1995 para 2020, o valor do PIB nominal praticamente duplicou, enquanto o saldo da dívida quintuplicou (273,8 mil M€, em 2021). Os riscos são óbvios. Se o BCE restringir ou suspender os programas de compra de ativos, o Estado ficará inteiramente dependente dos mercados financeiros para se financiar. É natural que qualquer potencial credor, antes de emprestar mais dinheiro, se questione sobre a capacidade de reembolsar o saldo existente. Outro risco é a subida das taxas de juro da dívida a dez anos para 3 ou 4% - por força do aumento da inflação e do subsequente aumento das taxas diretoras dos bancos centrais. Considerando que o custo médio da dívida do Estado é de 2,2%, os juros anuais praticamente duplicariam.
A POE 2022 adequa-se a um Portugal com um fundo soberano. Retirando o efeito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), das medidas "one-off" e de emergência, a despesa primária prevista para 2022 situar-se-á 3,4 p.p. do PIB acima do valor pré-pandemia. Deste acréscimo, 2 p.p. do PIB correspondem a despesa corrente primária, nomeadamente despesas com pessoal e prestações sociais.
Num momento em que o rácio da dívida sobre o PIB é superior ao dobro do permitido, cabe perguntar qual será o melhor investimento: aproveitar a folga orçamental para reduzir a dívida pública, desipotecando a nossa soberania, ou aumentar a despesa e torná-la mais rígida, diminuindo a nossa resiliência financeira?
Diogo Ribeiro Santos, Professor de Economia, Finanças, Controlo e Contabilidade da AESE