Cronista do Dinheiro Vivo, Dalila Pinto de Almeida considera que se devia pagar melhores salários em Portugal e diz que a forma como se recruta, numa altura de escassez de mão-de-obra em muitos setores "deveria fazer-nos refletir sobre como encaramos os humanos"
Diz que a pandemia veio mudar a forma como se faz recrutamento. Em que sentido?
Mudaram os meios de recrutar e cresceu a plataforma de recrutamento, o universo disponível. Grande parte do processo, se não todo, como aconteceu nestes confinamentos, é realizado online, as empresas recorrem cada vez mais a aplicações sofisticadas para comunicarem com potenciais candidatos. As fontes de recrutamento alargaram-se e o mundo é uma plataforma de recrutamento para as posições que podem ser ocupadas virtualmente. Já para o exercício de funções muito operacionais, por exemplo na distribuição e logística em que a escassez de mão-de-obra é preocupante, ouvi uma frase que ilustra tudo: "Se tem dois braços e duas pernas, serve". Isto deveria fazer-nos refletir acerca de como estamos a encarar os humanos.
A falta de mão-de-obra está a ser sentida em muitos setores. O nível salarial é o fator determinante?
Terá hoje um peso maior, sim, sobretudo se a um baixo salário acrescer um trabalho sem significado e uma atmosfera de desumanização. Sair todos os dias de casa para ir trabalhar tem custos e sobretudo para profissões indiferenciadas, em que a precariedade é mais visível, a oferta de mais uns euros ou de melhores condições é determinante.
Portugal devia pagar melhor?
Sim. O país precisa de equilibrar níveis de produção e níveis salariais e isso tem sido pensado como um círculo vicioso, não se paga mais porque não se produz e não se produz porque não se paga mais. As empresas com níveis salariais acima da média e gestão eficaz têm bons níveis de produtividade. Pelo contrário, os baixos níveis de produção decorrem de gestão que não tem em conta a importância que deve ser dada às pessoas.
Portugal está a conseguir atrair muitas empresas das áreas tecnológicas e profissionais com salários acima da média. Corremos o risco de agravar o fosso salarial?
É um risco e não exclusivo de Portugal. A digitalização do mundo do trabalho, sobretudo numa fase de transição como esta, está a imprimir duas velocidades com grupos que estão a ficar para trás, mas em relação aos quais não se exige que acompanhem, porque são precisos no trabalho indiferenciado.
Quais são as condições mais importantes para as empresas conseguirem reter talento?
Primeiro definirem o que é, para si, talento. Depois perceberem se querem retê-lo e tomarem consciência de que há áreas onde se consegue reter e outras que, pela sua natureza, têm uma rotatividade elevada. Creio firmemente que o que o talento deseja é ter trabalho com significado, poder aprender e desenvolver-se, ver a sua iniciativa reconhecida, participar na decisão, equilibrar trabalho e vida pessoal e ter uma remuneração justa.
Como avalia as lideranças nas empresas portuguesas?
Lido cada vez mais com líderes preocupados em atingir resultados e a tomar consciência de que precisam das pessoas para lá chegar.