Nos últimos meses, Portugal atravessou um período prolongado em que a produção de eletricidade, fruto de uma forte produção renovável, permitiu uma forte redução do custo de produção, tendo inclusivamente sido o país europeu com o preço grossista mais baixo de produção no primeiro trimestre do ano. Mas essa mudança teve um impacto pequeno nos consumidores, ao contrário do que diria o senso comum, mas que tem um motivo subjacente. Sendo um sistema de elevada complexidade, o Sistema Elétrico Nacional visa assegurar o equilíbrio permanente entre a oferta e a procura. Em razão do seu pioneirismo na implementação de projetos renováveis, Portugal está no pelotão da frente na transição energética, e possui um mix energético notável que permite, entre outras coisas, ter em períodos prolongados, uma produção assente de forma maioritária em fontes renováveis – hídrica (ainda maioritária), eólica e com um forte crescimento da produção solar. Como resultado dessa aposta estratégica já consolidada, o país possui um conjunto alargado de entidades competentes em toda a cadeia de valor, da produção à instalação e à monitorização. Este sucesso traz desafios num contexto em que as fontes de produção têm flutuações relevantes. Como gerir um excesso de produção de fontes renováveis em momentos de menor procura, ou como suprir a sua falta? É essencial assegurar a disponibilidade da eletricidade quando necessário, e para tal existe uma componente, menos conhecida por quem não lida diretamente com o setor, a denominada Tarifa de Acesso às Redes (TAR).
Esta tarifa é uma das duas componentes da tarifa mensal de eletricidade, que inclui os custos de transporte e distribuição de eletricidade, mas também um valor que assegura a remuneração para uma parte dos produtores de energia renovável, um dos motivos do sucesso da transição energética em Portugal, cuja rede tem evoluído para se adaptar a um aumento significativo da utilização de energia elétrica, e que se antevê continue, com a mobilidade elétrica e alguns projetos empresariais previstos e que terão um impacto relevante no consumo. O paradoxo deste mecanismo é que, dado que o valor assegurado é fixo, cada vez que o valor do mercado da produção de eletricidade é inferior ao valor fixado, é necessário pagar esse diferencial aos produtores, que realizaram os seus investimentos.
Esta remuneração garantida deve-se a contratos definidos na fase de desenvolvimento das fontes renováveis que representavam, em 2023, cerca de 60% do total da produção renovável e 32,6% do consumo. Ou seja, 40% da produção renovável já é feita em regime concorrencial aberto, e essa percentagem tenderá a aumentar.
Assim, a recente diminuição do preço da eletricidade, sendo claramente um benefício para o País e para a economia, não têm um impacto direto no custo final da eletricidade paga, uma vez que, será necessário assegurar o pagamento deste diferencial, o qual irá ao longo dos anos gradualmente diminuir. Mas ainda que não diretamente, os consumidores poderão beneficiar também da existência de um conjunto de soluções de gestão energética renovável, maioritariamente solar, e de empresas e profissionais qualificados para a instalar, e que poderão contribuir para uma maior autonomia energética e uma melhor gestão do custo associado. O futuro do setor elétrico é promissor.
Presidente da ACEMEL – Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Elétrico Liberalizado