O passado e o futuro da sustentabilidade

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A conferência anual do BCSD Portugal ocorre este ano num momento decisivo para se alcançarem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o Acordo de Paris sobre o clima e o Pacto Ecológico Europeu, com o intuito de envolver as empresas numa reflexão sobre os desafios e caminhos para 2030.

Fundado em 2001 por um grupo de empresários, o BCSD Portugal faz parte da rede global do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development). Sediado em Genebra e com presença em todo o mundo, o WBCSD resulta do desejo final da Cimeira da Terra das Nações Unidas (Rio de Janeiro, 1992) de atribuir maior relevância ao setor privado na resposta aos desafios societais. Afinal de contas, a larga maioria das 100 maiores economias do mundo não são países - são empresas. Assim, quer pelos seus impactos sociais e ambientais, quer pela sua capacidade de investimento e inovação, têm um papel decisivo na resposta aos maiores desafios da Humanidade.

As empresas surgiram no início do século passado, são um fenómeno recente. O seu primeiro desafio foi produzir, com escala e eficiência, bens de grande consumo, essenciais para o nosso bem-estar. Assim, deram-nos frigoríficos, automóveis, telemóveis, escovas de dentes, roupa e tantos outros bens e serviços, sem os quais já não saberíamos viver. Paralelamente, contribuíram decisivamente para o aumento exponencial do PIB mundial, para o emprego e para a capacidade de intervenção dos Estados (ao pagarem impostos). Em poucas décadas, tornaram-se exímias a combinar conhecimento, com capital financeiro, capital natural (matérias-primas) e capital social (competências).

Porém, no final do século passado, com o evoluir de uma consciência humanista universal e a evidência crescente de que o planeta é um "recurso" escasso e frágil, despertou a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento, assente num novo conceito de empresa. Afinal de contas, não deveriam os sistemas económicos ambicionar a algo mais do que apenas a criação de riqueza imediata? E não deveriam cuidar do futuro com o mesmo empenho com que cuidam do presente?

A resposta a estas questões foi tão óbvia e consensual que emergiu - e rapidamente se propagou - o conceito de responsabilidade social das empresas. Ou seja, para além dos desafios da eficiência produtiva e da geração de valor para os seus clientes e investidores, passaram a ter de conseguir assegurar também uma "licença para operar", assente na sua capacidade para cuidar das suas diversas partes interessadas (para além dos investidores e clientes), e dos recursos e equilíbrios frágeis do planeta.

Hoje, a incorporação dos ESG, isto é, dos aspetos ambientais, sociais e de governance nos modelos de negócio tornou-se decisiva para a sua resiliência e capacidade competitiva. Sem um propósito holístico e inspirador, que partilhe valor com as pessoas e o planeta, dificilmente serão lucrativas. E quem o exige não é apenas a evidência científica e o regulador - são, sobretudo, as novas gerações de clientes, investidores e trabalhadores.

No início deste século, o maior desafio das empresas terá sido o da transformação digital. Hoje, é a transição para a sustentabilidade. Ao fim de cem anos a aprenderem a gerar riqueza e a medir a performance com base em indicadores económico-financeiros, terão agora de ser capazes de também gerar valor social e ambiental, de tornar as suas cadeias de valor circulares e inclusivas.

Esse novo desafio depende da adoção de novos indicadores de avaliação da performance, mas sobretudo uma nova era de inovação disruptiva: novos modelos de negócio, novas tecnologias, novos materiais, novas soluções de design, novos comportamentos e novos desenhos organizacionais. Ele apela não apenas a uma transformação profunda das cadeias de valor, mas sobretudo a um novo conceito de empresa. As vencedoras serão as que melhor conjugarem o logos (lógica e razão), o ethos (credibilidade e ética) e o pathos (emoções e sentimentos). Nesses três tabuleiros se joga o desafio da sustentabilidade - e, portanto, da competitividade.

João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal

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