O que acontece quando os "geeks" invadem Las Vegas

Ainda havia gente a regressar aos hotéis depois de uma noite de farra quando saí em direção ao Mandalay Bay, resort que tem um dos melhores centros de convenções de Las Vegas. Também havia gente a fazer jogging na famosa Las Vegas Strip e já se via malta a caminho da conferência. Pessoas bêbedas, desportistas e "geeks" a cruzarem-se às primeiras horas da manhã no frio de Janeiro só tem uma explicação. O Consumer Electronics Show (CES), a feira mais louca e extravagante do ano na indústria da electrónica de consumo.
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É uma das coisas certas em Las Vegas, tal como a "Living on a Prayer" dos Bon Jovi na Fremont Street todas as noites, as fontes dançantes do Bellagio e os cartões com meninas semi-nuas que são distribuídos pela Strip. Quando comecei a ir a conferências em Las Vegas, não percebia bem o porquê da escolha do local. Uma pessoa não consegue andar dez metros sem ser perseguida pelo Super Homem Anão, que quer tirar uma foto e recolher um dólar de gorjeta. Há convites para festas a torto e a direito, os casinos e bares fazem barulho até às tantas da manhã e há mais bebidas alcóolicas que água a circular. Quem não vem apostar notas nas slot machines sente-se como quem vai à praia sem fato de banho em Agosto.

Na verdade, a escolha de Las Vegas é genial. Como tudo é gigantesco, espaçoso e espampanante, há acomodação para dezenas de milhares de pessoas a qualquer altura do ano. Os hotéis são baratos durante a semana (quando se fazem as conferências e feiras) e há ligação entre eles - uma pessoa começa no Mandalay Bay e, se quiser, só pára na outra ponta da Strip, sempre a andar por dentro.

Depois, há o factor descompressão: atira-se com dez horas de eventos num hotel e compensa-se logo com mega jantarada e bebidas no Marquee. Marcam-se cinco reuniões seguidas, e enfiam-se convites para a Britney Spears no Planet Hollywood por baixo da porta do quarto.

O que acontece quando os "geeks" invadem Las Vegas é nada. Zero. Nicles. Com sorte, as senhoras de meia idade que estão a jogar no casino há 8 horas seguidas gozam com as mochilas dos computadores, e pouco mais do que isso. Não há olhares de lado nem perguntas curiosas. Las Vegas é um caldeirão tão grande de pessoas de todo o lado que 160 mil "geeks" a verem robôs, drones e patins com turbo não aquece nem arrefece ninguém por aqui.

O que aquece são os pés, e as bolhas que começam a formar-se ao terceiro dia. Há 185 mil metros quadrados de exposição e todos os hotéis são gigantescos. Além disso, e por algum motivo de insanidade temporária, há conferências em múltiplos hotéis entre os quais não se pode ir a pé.

Os eventos começam logo às 8 da manhã, mas é preciso estar na fila uma hora antes para garantir lugar dentro da sala. Também estão marcados uns a seguir aos outros, o que torna as idas à casa-de-banho e a alimentação regular em actividades ocasionais e não garantidas. Há sempre um asiático a dormitar em cadeiras, sofás ou encostado à parede (sempre; são 17 horas de diferença). E ao fim de alguns dias a dormir poucas horas e a percorrer quilómetros, já é difícil ver a diferença entre os patins com turbo, os skates andantes e as mini-Segway que desfilam nos corredores.

Mas é aqui que se vêem os projectos mais loucos, as startups mais arrojadas e as concretizações megalómanas das gigantes da indústria (a Samsung fez uma preview das suas novas televisões com jovens asiáticas cobertas de luzes azuis a flutuarem numa piscina). É aqui que se fala com a startup francesa que fez garfos com Bluetooth para emagrecer e se vêem os novos fogões topo de gama com computador de bordo. Dos 20 mil novos produtos apresentados nesta feira, apenas 200 vão ter sucesso e entrar-nos pelas casas adentro. O que acontece em Las Vegas pode ficar mesmo só por Las Vegas. Mas é uma aventura dos diabos.

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