O que podia ser o serviço público audiovisual?

Publicado a

Nesta semana dei comigo a pensar qual a razão para termos um serviço público de rádio e televisão, pago pelos portugueses na fatura da eletricidade, se verdadeiramente ele é apenas uma variante daquilo que os canais privados fazem.

A RTP1 é uma fraca alternativa - a grelha de programas assenta na mesma tipologia dos canais comerciais privados: informação, desporto, entretenimento de consumo rápido. Os melhores resultados da RTP são sistematicamente assegurados pela transmissão dos jogos de futebol, nomeadamente da Seleção, e pelo programa O Preço Certo. A RTP não consegue ser competitiva na produção de ficção (que vai fazendo com menor frequência do que desejável) e quase abandonou a produção de documentários e da estruturante programação de conteúdos que permitiria que o país tivesse arquivos audiovisuais sobre os seus melhores nas mais diversas áreas - do desporto às artes, passando pela política ou ciência. Aquilo que é regra em boa parte dos serviços públicos audiovisuais europeus é aqui exceção. Da mesma forma, a produção própria dirigida a públicos mais novos é quase inexistente.

E já que estamos nisto, a existência de informação e programação regional é reduzidíssima. Numa época em que os políticos tanto falam de descentralização e regionalização, o serviço público audiovisual na televisão, mas também na rádio, faz fraca figura. A questão da informação regional tem outra dimensão que é necessário ter presente: a de contribuir para a coesão nacional. Lembro-me sempre, quando toco neste assunto, da conversa que em tempos tive com um experiente produtor da RTP, de origem açoriana, que me disse que a RTP Açores tinha feito mais pela manutenção da identidade nacional e contribuído mais para eliminar o separatismo ilhéu que chegou a existir do que qualquer partido ou político.

No serviço público informativo em Portugal há demasiada cobertura do óbvio e pouco acompanhamento do relevante. O portal privado Sapo, da Altice, na sua secção Regiões, faz mais pelo país do que as empresas públicas de comunicação - e aqui incluo a agência Lusa. O que se passa na tipologia dos canais da RTP é também preocupante: a RTP1 continua um canal esquizofrénico, entre programas que pouco têm de serviço público alternativo, comunicações oficiais de titulares de cargos institucionais e disputa partidária, fazendo a RTP2 colocar-se num gueto de minorias, ainda para mais sem orçamento. Quanto à RTP3, não seria melhor que fosse palco privilegiado do noticiário regional e de transmissões de modalidades desportivas amadoras do que o descaracterizado rol de programas que maioritariamente exibe?

Não falei das estações de rádio da RTP, Antena 1, 2 e 3, mas creio que quem as ouvir regularmente percebe que a primeira está a descaracterizar-se, a segunda a resignar-se à irrelevância e a terceira a ser um produto que envelhece com dificuldades.

Seria muito interessante que o inútil Conselho Geral Independente, em articulação com uma das boas universidades portuguesas, fizesse um estudo sério que permitisse ver como o orçamento da RTP é gasto por rubricas e considerando todos os custos envolvidos em cada operação: transmissões de futebol, outras modalidades desportivas, produção de ficção, de documentários, de concursos, de reality ou talent shows, gravação de espetáculos teatrais e musicais, informação nacional, regional, internacional. E que depois comparasse os resultados com o que se passa noutros serviços públicos audiovisuais, nomeadamente nos melhores exemplos que vêm do centro e norte da Europa.

Talvez um estudo assim, com dados reais segmentados, permitisse que os ilustres sábios do CGI pudessem ocupar as meninges com dados concretos em vez de congeminações diletantes. O Estado, o acionista da RTP, não gosta de encarar o problema e pelo meio o serviço público audiovisual vai-se degradando.

SF Media

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt