Olhamos normalmente para a dívida "problemática": sobre-endividamento de Estados soberanos, de empresas e de famílias; reestruturações ou perdões de dívida; e crédito malparado. Aqui, abordarmos também a utilização racional da dívida como forma normal de financiamento das empresas. Procuramos responder a duas perguntas: As empresas portuguesas estão sobre-endividadas? O endividamento das empresas é generalizado?
Existiam, em finais de 2020, 1.301.000 empresas: 850.584 empresários em nome individual (65,4%) e 450.416 sociedades (34,6%). A dívida financeira das empresas (Curto Prazo e Médio/Longo Prazo) ascendia a 200 mil milhões de euros.
Sobre-endividamento
Uma empresa está sobre-endividada quando não consegue servir a dívida pontualmente. O rácio Dívida/EBITDA sobrestima a capacidade de servir a dívida, porque o EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) é calculado antes de impostos e das necessidades de reposição de ativos. O potencial de sobrestimação da capacidade de servir a dívida é agravado pela utilização, no numerador, da dívida líquida de caixa e bancos. É uma prática a evitar porque as responsabilidades da empresa medem-se em termos brutos e não líquidos.
O autofinanciamento (Resultado Líquido mais Amortizações) é o resultado que está disponível para servir a dívida (antes de necessidades de reposição de ativos). O rácio dívida bruta/autofinanciamento é mais fiável.
Se nos focarmos apenas nos rácios para o ano de 2020, nota-se o efeito da pandemia e dos confinamentos nos setores dos transportes, turismo e outros serviços.
É legítimo falar de sobre-endividamento em 2020. A maturidade média da dívida é elevada e especialmente alta em alguns setores. Mas, será seguro afirmar que as empresas portuguesas estão, em média, sobre-endividadas?
Subendividamento
O endividamento está concentrado em 18% das empresas, pelo que não deve ser analisado em termos médios. É significativo que no setor com mais empresas, o comércio, apenas uma em cada quatro esteja endividada. O setor das indústrias extrativas é o mais endividado (cerca de 44%) mas tinha apenas 1.023 empresas em 2020.
Em média, as empresas portuguesas não estão sobre-endividadas, apesar de o endividamento médio em alguns setores ser preocupante. Contudo, as empresas portuguesas que se endividam não ultrapassam os 18% do total. Quaisquer análises do endividamento do conjunto de empresas ou de setores de atividade devem utilizar dados desagregados para devedores e não-devedores. Estes números revelam que existe muita heterogeneidade escondida pelas médias - o clássico problema do estatístico que morreu afogado num rio que tinha, em média, um metro de profundidade...
Num país como Portugal, com reduzidos níveis de investimento, apenas 18% das empresas estão endividadas. Se mais empresas utilizarem o crédito bancário para financiar o seu investimento, o investimento privado pode aumentar significativamente. A pergunta que se impõe é: porque é que não o fazem? Serão os critérios da banca demasiado apertados para excluir do crédito 80% do tecido empresarial (ou 80% das empresas demasiado frágeis)? Poderão existir outros fatores em jogo, como aversão ao risco e ao endividamento. Cabe às escolas de negócios a iniciativa de "sentar à mesa" banqueiros, empresários e gestores, para iniciar este debate.
Diogo Ribeiro Santos, professor de Finanças da AESE e Diretor do Program Next Generation