O tio brasileiro e a granada

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Numa altura em que muitos estão de férias, vale a pena refletir sobre os desafios que nos esperam na rentrée. Dir-me-ão: "Não pense nisso agora, distraia-se, descanse e desfrute dos disparates da silly season, que é coisa que não falta!".

Sem pretender tornar demasiado séria a época estival, vale a pena recordar que enfrentamos desafios que exigem formas alargadas de cooperação e entendimento. Temos uma pandemia que ainda não acabou, há uma guerra na Europa de resultados imprevisíveis - e outra a cozinhar-se lá para os lados do Extremo Oriente - e, como pano de fundo, enfrentamos uma crise climática sem precedentes.

Dar resposta a estes desafios coletivos passa, obviamente, por formas de colaboração mais ou menos alargada. Acontece que a cooperação, ao contrário do que muitas vezes se pensa, não tem nada a ver com amizades ou capacidade de socialização em maior ou menor grau. Cooperação interorganizacional, que é dessa que falamos, envolve a gestão de quatro Cs: conjugação de interesses, compartilha de recursos, coordenação de atividades e confiança.

Desde logo, só faz sentido colaborar naquelas áreas em que os interesses são comuns. Ir para além disso é meter areia na engrenagem que só servirá para nada se alcançar em conjunto.

Em segundo lugar, é fundamental que as partes envolvidas compartilhem recursos. Podem ser recursos financeiros, pode ser know-how, pode ser acesso a mercados ou até capacidade de influência geopolítica. Mas uma coisa é certa: todos os que colaboram têm de partilhar alguma coisa.

Depois é fundamental que haja coordenação de atividades. Não basta haver um propósito coletivo decorrente de interesses comuns, nem basta que haja recursos partilhados. Para operacionalizar a cooperação é necessário trabalhar em conjunto, coordenando atividades e desenvolvendo tarefas de forma concertada.

Finalmente, nada disto funciona se não houver confiança. Esta não decorre da pura manifestação de vontades ou de boa-fé. A confiança solidifica-se com o tempo, com experiência e trabalho conjuntos. É algo que demora a construir e que, no entanto, se destrói num minuto.

Não se fique a pensar que a cooperação é uma panaceia para todos os problemas. Competição, conflito, conluio e até mera coexistência são outras formas de relacionamento que, em muitos casos, são mais eficazes do que a colaboração. Mas uma coisa é certa: todas elas exigem competência, não se compadecendo com amadorismos. Doutra forma, e parafraseando Fernando Pessoa, tudo se resume a "herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada".

Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School

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