A política nacional não pode ser subalterna de lideranças comandadas por estados de espírito. Logo após as eleições legislativas de 10 de março, a discussão sobre a aprovação ou não do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) tem estado permanentemente enredada num braço de ferro entre o líder do PS, Pedro Nuno Santos, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, onde raramente os argumentos se fazem com propostas concretas. E a silly season, por norma, será tudo menos a altura certa para enriquecer este debate.
Tentando sim entrar no momento certo, em auxílio de Luís Montenegro, o ex-presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, acabou esta semana, numa entrevista ao Observador, por relativizar esta discussão ao afirmar que “não há nenhum drama se o Orçamento do Estado não for aprovado” e que este não será motivo para dissolver o Parlamento. “Não aprovar orçamentos é banal nalguns países da Europa. Sabe que a Espanha durante dois anos não teve orçamento? O atual primeiro-ministro viveu durante dois anos com duodécimos. Ninguém morreu.”
Também Luís Montenegro garantiu que não se demitiria e que governaria por duodécimos e Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República, admitiu que não marcaria eleições antecipadas, ao contrário do que aconteceu em 2021.
Ainda assim, sem antecipar cenários, Cavaco Silva acredita que o OE2025 venha a ser aprovado. Só que a questão não fica fechada aqui. Primeiro, Pedro Nuno Santos admitiu há poucos dias que viabilizaria o OE2025 desde que os socialistas “não sejam ignorados”, depois reagiu às declarações de Cavaco Silva afirmando que não entra em “especulações”, defendendo que “as opções que estão a ser feitas pelo Governo distanciam-nos de nós e a vontade do Governo não é olhar para elas connosco e ceder num diálogo com o PS”. De resto, este argumento não está longe do que tem defendido desde sempre o secretário-geral do Partido Socialista.
A questão é que não saímos do ziguezague antes das férias de verão. A rentrée será crucial para que o Governo clarifique as suas propostas para o OE2025 - agora é que se vai começar a falar a sério do Orçamento - e se verá qual a abertura para o diálogo com os partidos da Oposição, nomeadamente com o PS, atendendo a que já está afastado um cenário de eleições antecipadas.
A estabilidade governativa não depende apenas de se o Governo se mantém ou não em funções e do cumprimento das metas do défice e da dívida pública. Em larga medida, a estabilidade governativa depende da resolução dos problemas reais dos portugueses e do impacto que terá a não tomada de decisões fundamentais para o país e para o nosso crescimento económico e que condicionam o futuro dos portugueses - isso é o mundo real. Nas próximas semanas vale a pena pensar numa coisa: ainda que se possa governar sem diálogo, é para aí que queremos que caminhe a política nacional?