Obras adjudicadas 40% abaixo do preço "são concorrência desleal"

Construtores querem alterar cálculo do preço anormalmente baixo. Adjudicações ficam, em média, 21% abaixo do valor base
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Uma em cada dez obras públicas em Portugal é adjudicada por valores 40% inferiores ao preço base do concurso, o limiar do que a lei estabelece como preço anormalmente baixo. Uma diferença que leva a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), a reclamar a revisão urgente do Código dos Contratos Públicos, em nome da “transparência e do combate à concorrência desleal”.

Os dados são de 2015 e mostram que, em média, os contratos de empreitadas públicas celebrados apresentam um preço 21% abaixo do respetivo preço base do concurso. Mas em 131 empreitadas, correspondentes a 10% dos concursos lançados, o desvio chegou aos 40%.

Uma pesquisa pelo Observatório das Obras Públicas mostra que as obras de reabilitação do Bairro da Quinta das Laranjeiras, em Lisboa, as de requalificação da adega e estacionamento do Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, ou a substituição das coberturas em fibrocimento dos edifícios oficinais e estação de serviço no Quartel da Encarnação, em Lisboa, são alguns dos exemplos de concursos adjudicados por um valor 40% abaixo do preço base. No caso das Laranjeiras, a diferença foi de quase um milhão de euros, já que o concurso foi lançado pelo valor base de 2,409 milhões de euros e foi adjudicado por 1,445 milhões.

Mas há muitos outros exemplos, como a segunda fase da pavimentação de arruamentos no concelho de Santa Maria da Feira, com um custo avaliado de 1,125 milhões e adjudicado por 675 mil euros. No município de Ovar, por exemplo, há vários casos, sobretudo relacionados com empreitadas de pavimentação e drenagem.

Transparência

“É suposto que o preço base do concurso corresponda a um valor realista, seriamente calculado pelos técnicos. Se o dono de obra lança o concurso por esse preço é porque o achou justo. Não faz sentido nenhum que a lei admita que uma obra com um custo calculado de mil euros possa ser entregue por 600”, diz o presidente da AICCOPN.

“O Estado até pode achar que está a poupar dinheiro com esta situação, mas está é a contribuir para a destruição de empresas e de emprego e a criar problemas na economia”, garante Reis Campos.

Por isso, a associação pretende que o Governo aproveite a transposição das novas diretivas europeias sobre contratação pública - o que já deveria ter feito até 18 de abril - para rever esta e outras questões no Código dos Contratos Públicos. “Esperamos que esta não seja mais uma oportunidade perdida”, dizem os construtores.

Qual é, então, a solução? “O preço anormalmente baixo deve ser calculado obra a obra, em função da média das propostas, excluindo, por exemplo, todas as que forem 15% abaixo desse valor. É a única forma de haver boa-fé e transparência nos concursos”, defende Reis Campos.

Quando fala em falta de transparência refere-se a corrupção?, questionamos. “Não sei se há corrupção, não conheço. Sei que isto promove a concorrência desleal e cria condições acrescidas de litigiosidade. Só se houver interesse na falta de transparência é que a situação se mantém como está”.

A situação torna-se especialmente grave numa altura em que a escassez de obras públicas é imensa e as empresas se veem na necessidade de garantirem mínimo de atividade “essenciais à sua sobrevivência imediata e à manutenção dos postos de trabalho”.

Falta de obras

Basta ter em conta que os concursos lançados em 2015, no valor global de 1,237 mil milhões de euros, representam cerca de um quarto do montante dos concursos promovidos em 2001. Pior. Os contratos efetivamente celebrados o ano passado representam um investimento de apenas 564 milhões de euros. Sendo que o diferencial entre os concursos lançados e os efetivamente celebrados atinge, só nos últimos cinco anos, um valor acumulado de 4,3 mil milhões.

“Qual é o sentido de se andar a gastar dinheiro, tempo e expectativas, do Estado e das empresas, no lançamento de obras que, depois, ficam pelo caminho? Isto só prova a falta de planeamento e cria distorções no mercado”, lamentam os industriais da indústria de construção.

E a que se deve o lançamento de obras sem a respetiva adjudicação? “Muitas vezes os concursos são lançados sem as verbas estarem orçamentadas. E essa é a nossa crítica. Se não há dinheiro para fazer as obras, para que se lançam os concursos? Para que se criam falsas expectativas às empresas numa altura em que elas precisam é de notícias positivas e de planeamento a longo prazo”.

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