Volvidas quase duas semanas após a apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) na Assembleia da República e feitas as primeiras análises sobre o alcance das medidas propostas pelo Executivo, existe a sensação, pelo menos no setor empresarial, de que as expectativas anunciadas ficam, em certa medida, um pouco aquém do esperado. De facto, quando o Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, anunciava, uns dias antes da apresentação do OE2021, que o mesmo iria conter medidas de natureza expansionista e que seria anticíclico, poder-se-ia ficar com a ideia de que iríamos ter um documento que continha várias medidas relevantes de estímulo à economia. No entanto, na perspetiva das empresas, as medidas acabaram por ser escassas.
A isto talvez não seja alheia a difícil gestão política que o governo tem pela frente para este dossier, pois não existindo uma maioria parlamentar na qual se possa sustentar, terão de ser feitas cedências no âmbito de um processo negocial, à partida, com os partidos que se situam no quadrante político mais à esquerda. As últimas notícias à data da elaboração deste artigo, dão conta de que estamos perante um processo negocial difícil e cujo desfecho é ainda incerto.
Centrando novamente a análise no conteúdo do OE2021, importa desde já fazer uma análise sumária do enquadramento macroeconómico de Portugal, o qual se afigura extremamente desafiante, com características únicas e sem precedentes na nossa história recente, agravado nos últimos dias pelo crescente surto da pandemia, verificando-se que o número de novos infetados tem vindo a subir diariamente de forma relevante. Independentemente desse facto, o primeiro-ministro, António Costa, já afirmou por mais de uma vez que o país não pode voltar a confinar, pois o preço a pagar em termos económicos seria incomportável.
Mais recentemente, o governo apresentou as linhas gerais do OE2021, nas quais se constata que o PIB de 2020 terá um recuo (histórico!) de cerca de 8,5%, para depois haver uma recuperação de cerca de 5,4% em 2021, ainda que exista algum grau de incerteza quanto a esta variável. Já o défice das contas públicas estima-se que possa atingir um valor que ascenderá a 7,3% do PIB em 2020, igualmente um valor historicamente negativo, ainda que expectável, havendo uma recuperação para 4,3% para 2021.
Por outro lado, a dívida pública pode vir a registar em 2020 um valor histórico de 134% do PIB, muito influenciado pela necessidade de o Estado injetar mais liquidez na economia (v.g. processos de lay-off simplificado e outros subsídios de apoio ao emprego), mas também pelo facto de o próprio PIB recuar, o que influencia negativamente este rácio. Contudo, para 2021 estima-se que esta variável possa melhorar (ainda que se mantenha num nível muito elevado) para atingir cerca de 130% do PIB.
No que respeita à taxa de desemprego, o governo estima que a mesma venha a atingir a fasquia de 8,2% em 2021 (que compara com 8,7% em 2020). No tocante à taxa de inflação estima-se que a mesma venha a cifrar-se em 0,7% em 2021.
Olhando de forma sumária para as principais alterações de índole fiscal que a Proposta de Lei do OE2021 contempla, merece particular destaque a medida que prevê uma redução das taxas de retenção na fonte de IRS em moldes ainda a definir. Não sendo verdadeiramente uma medida de alívio fiscal, a mesma insere-se no âmbito de outras que o governo foi aprovando ao longo do ano de 2020 como resposta à pandemia, as quais assentavam sempre numa ótica de conferir maior liquidez aos contribuintes. Contudo, as últimas indicações, confirmadas pelo próprio secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, aquando da apresentação formal da Proposta de Lei do OE2021, davam conta que o valor máximo do aumento de liquidez poderia variar entre 12 euros e 200 euros, numa base anual. Portanto, pouco expressivo e sem grande impacto.
Foram ainda introduzidas medidas que visam essencialmente aumentar os apoios a famílias e pensionistas mais carenciados, sendo de destacar o aumento extraordinário de 10 euros para as pensões mais baixas (i.e. até 658 euros), ainda que apenas concretizado em agosto de 2021, e ainda o subsídio de desemprego relativo ao limiar mínimo que aumenta cerca de 70 euros, passado a cifrar-se em aproximadamente 504 euros.
Merece ainda um destaque particular uma medida inovadora ao nível do IVA para 2021, denominada IVAucher, com o objetivo estimular o setor do alojamento, da restauração e também da cultura, que passa pela possibilidade de os contribuintes poderem abater o IVA que suportarem em despesas desta natureza num determinado trimestre nas despesas que vieram a incorrer no trimestre seguinte. Falta ainda regulamentar a forma como esta medida se irá operacionalizar em termos práticos junto dos contribuintes.
Ao nível das empresas, merece uma atenção particular uma medida que visa penalizar as grandes (i.e. empresas que tenham mais de 250 trabalhadores e que tenham um volume de negócios acima de 50 milhões de euros ou um valor de balanço acima de 43 milhões de euros) que promovam despedimentos sem reposição dos postos de trabalho, desde que tenham lucros e estejam abrangidas por apoios estatais. Deste modo, a penalização passaria por perderem os apoios públicos (i.e. alguns benefícios fiscais) e a garantia do Estado para acederem às linhas de crédito da banca. É ainda de registar o facto de o agravamento da tributação autónoma, em 10 pontos percentuais aplicável às empresas que registem prejuízos fiscais não ser aplicável, em determinadas condições, em 2020 e 2021, às empresas classificadas como PME e ainda às que iniciem a atividade em 2020 ou 2021.
É aqui que fica a ideia de que se podia (e devia, talvez) ter ido mais longe, pois não se vislumbram incentivos e estímulos relevantes dados ao tecido empresarial no âmbito da Proposta de Lei do OE2021. Falta, claramente, mais ambição neste capítulo.
Em jeito de balanço, fica a questão: afinal que Orçamento temos? Tendo por base a análise feita até ao momento, a conclusão inicial que se pode retirar é que a Proposta de Lei do OE2021 é mais focada nas famílias (com algumas medidas importantes ao nível dos apoios sociais) do que nas empresas. Portanto, talvez se afigurem como justas as críticas que têm vindo a público no sentido de concluir que o OE2021 é pouco "amigo" das empresas. A dúvida que existe é se os Fundos da União Europeia (previstos para o início de 2021) podem alterar este cenário, e aí sim poderá haver margem para estimular o tecido empresarial, que tanta falta faz à nossa economia.
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