O fado de ter filhos que percorrem há anos o sistema de ensino doutorou-me em educação e em Educação. Apanhei a manhas do sistema, sei distinguir o trigo do joio, aprendi onde gastar as energias e o que devo relativizar, quais as batalhas a travar e aquelas que temos de dar como perdidas, quais as estratégias a seguir para ajudarmos os nossos filhos a entrarem para os cursos e como os devemos ajudar a escolher, e qual a altura certa para fazer essa escolha. Sei distinguir preguiça de dificuldades de aprendizagem e sei que os miúdos são vampiros quando apanham um professor sem vocação pela frente. Tinha como princípio que a relação hierárquica é sagrada, mas já não tenho - só não digo aos meus filhos que mudei de princípio.
Vivo há mais de uma década entre escolas públicas e privadas, creches e jardins de infância, universidades e muitos explicadores. Já fiz trabalhos de todo o tipo e em várias línguas, manuais e digitais (até costurei! - eu, que nem sei o que é ponto cruz), ajudei a escrever contos, a resolver problemas de matemática e dei uma ajuda a ensinar a ler em tempos de pandemia. E ainda me faltam nove anos de escola. Nove.
Se há pessoa viciada no sistema de educação sou eu. Há mais manuais espalhados pelas estantes de minha casa à espera de reutilização do que areia na praia. Pela minha vida já passaram dezenas e dezenas de professores: uns que ainda hoje evitam o meu mau feitio, a minha forma tempestiva de falar de coisas banais; outros que eu adoro e que me ajudaram e ensinaram a ser mãe. Associo a data de entrada dos meus filhos na escola ao ministro da tutela da altura, sendo que cada um teve direito ao seu. Cada um teve o seu ministro, o seu sistema de exames, o seu currículo, uma forma diferente de fazer contas dividir, e, claro, o seu manual. E olhem que tive filhos, em média, de dois em dois anos.
De tudo isto, de todos estes anos aos encontrões no sistema de ensino, aprendi várias coisas e constato outras. Aprendi que é na escola que se pode estragar o gosto pela aprendizagem e que sem ele nada há a fazer. Não há explicações, dinheiro, castigo, incentivo ou remédio que os façam aprender seja o que for. Quem não quer ser ensinado não aprende. E é lá, na sala de aula, com professores motivados, pedagogos formados, que a vontade nasce, cresce e dá frutos. Aprendi que cada um tem o seu ritmo e o seu tempo: o percurso escolar é uma maratona, não uma corrida de 500 metros.
Constatei que quanto menos se pede aos alunos menos eles dão, de menos se consideram capazes e menos o serão. Há alunos que acabam os 12 anos de escolaridade sem saber fazer contas de dividir, sem nunca terem lido um livro, sem falar inglês ou ter feito uma apresentação oral. E não é uma minoria que não preenche pelo menos um destes itens.
O sistema de ensino é hoje um gueto de desigualdades, feito de escolas para ricos e para pobres, conforme as zonas onde estão localizadas, se são privadas ou públicas. A partir do 10.o ano, o estudo, é um treino apenas para a entrada na universidade, como se os miúdos fossem cavalos de corrida. Ou isso ou o ensino profissional, como se fosse a segunda escolha do remediados. No acesso às melhores universidades essa desigualdade é latente: quem tem dinheiro paga aos explicadores, que se multiplicam para preparar os alunos para um 18 ou 19 no exame de Matemática e o passaporte para um dos melhores cursos. Quem estuda sozinho e sempre estudou numa TEIP nem sabe onde fica a Nova SBE.
Socialismo, na prática, é isto. Perguntem aos ministros e aos deputados do PS onde estudam os seus filhos e vejam lá se não é.
Jurista