O homem misterioso entrou no palácio com nome falso para enganar os seguranças. Na calada da noite, desceu ao porão de casa, onde encontrou o anfitrião, que ao contrário do que manda a lei, omitiu o encontro clandestino da sua agenda pessoal. Durante 30 minutos, os dois conversaram sobre meia dúzia de temas, uns mais proibidos, outros mais sigilosos. Ninguém jamais saberia de nada, além dos dois, não estivesse um a gravar o outro, sob autorização da polícia.
Além de parecer enredo de filme policial, o encontro mantido em março mas divulgado em maio entre Joesley Batista, magnata do ramo do processamento de carne bovina, e Michel Temer, presidente da República do quinto maior país do mundo, teve consequências extraordinárias na política brasileira – o chefe de estado foi acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução da justiça, foi obrigado a dirigir-se três vezes à nação a dizer que não se demitia, apanharam-no, pelo menos em duas ocasiões, em mentiras e contradições nas suas explicações atabalhoadas sobre a reunião, e metade da base de apoio saiu ou ameaçou sair do governo.
Na economia, as reformas da segurança social e das relações laborais que o executivo tentava, já com alguma dificuldade, aprovar no Congresso Nacional paralisaram de vez para desespero dos donos do dinheiro. A iBovespa, bolsa de valores de São Paulo, teve quedas recorde, o dólar subiu, o real caiu, os PIB de 2017 e 2018 foram revistos em baixa, as notas do Brasil nas agências de avaliação estremeceram. E a JBS, empresa de Joesley que é líder mundial no seu setor de atuação, tem agora os órgãos reguladores brasileiro e americano à perna por ter sido acusada de usar informação privilegiada para trocar milhões em moeda brasileira por moeda americana às vésperas da divulgação da gravação.
O povo saiu à rua a pedir eleições diretas, a imprensa foi acusada pelas duas partes, como convém, de estar ao serviço quer da oposição, quer do governo, o ambiente nos tribunais deteriorou-se, ao ponto do único poder aparentemente imune à crise também cair em descrédito perante a desgastada opinião pública e a ideia de que ninguém se salva no pântano de corrupção da política brasileira alastrou-se, de vez, no estrangeiro.
Estes foram os efeitos políticos, económicos, sociais e laterais de uma das mais infames conversas gravadas da história do Brasil. Mas quais foram os efeitos no setor a que Joesley Batista pertence – o das carnes? Pois é, ainda mais devastadores.
O real desvalorizou-se? O que dizer então da arroba de boi gordo que custava no principal estado do Brasil, o de São Paulo, 144,72 reais em março e agora vale 131,57? É a maior queda no setor em mais de em 20 anos. Com a JBS, responsável nalguns estados do Brasil por mais de metade do abate de gado, em crise de confiança, a atrasar pagamentos e a levantar suspeitas nos bancos, milhares de pecuaristas, uma categoria profissional nevrálgica num país que cultiva os churrascos de fim de semana, sentem-se desesperados. “São noites e noites sem dormir”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira Pedro Camargo Neto.
A conversa entre Joesley e Temer pode ter acontecido num salão perdido nos confins do sumptuoso Palácio do Jaburu na urbaníssima Brasília de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa mas os seus ferozes efeitos sentem-se é no pasto. Sentem-se, em suma, mais no lombo do boi e menos no preço do dólar.